10/08/2025
TERRORISMO À MWANGOLÉ - O Terrorismo que sonha com o terrorista
Terrorismo. Palavra forte. Pesada. Carregada de sangue, medo, caos. No mundo, quando se ouve esse termo, associa-se automaticamente a atentados, explosões, sequestros, fanatismo e tragédias humanas de proporções inimagináveis. Em Angola, no entanto, a semântica sofreu um upgrade patriótico: agora terrorismo é tudo aquilo que o regime não gosta. Uma manifestação? Terrorismo. Um post no Facebook? Terrorismo. Uma reunião de jovens num quintal para discutir o estado da nação? Tentativa de insurreição armada.
Sim, o governo angolano parece ter encontrado uma mina de ouro no conceito de terrorismo. Já não se trata de um fenómeno global complexo, com raízes sociais, geopolíticas e religiosas. Aqui, o terrorismo tem endereço, cor partidária, sotaque juvenil e rosto conhecido. Tem até nome e número de processo. E o melhor: não precisa de provas, basta a vontade de quem assina ordens no gabinete da esquina.
Não nos esqueçamos dos célebres “15+2” – jovens cujos livros foram interpretados como granadas e cujas ideias como AK-47. Foram acusados de organizar uma revolução estilo Netflix. Tudo patrocinado, claro, por um obscuro “império estrangeiro”, que até hoje ninguém viu, mas os serviços secretos juram existir. É que quando se trata de fabricar ameaças, a criatividade da nossa inteligência rivaliza com os melhores roteiristas de Hollywood.
Recentemente, a cereja no bolo: o julgamento das “60 toneladas” de granadas no Huambo. Um caso que parece ter saído diretamente de um episódio de comédia satírica, daqueles que nos fazem rir para não chorar. Um processo tão mal urdido que nem mesmo a toga conseguiu esconder o embaraço. Mas em Angola, como já dizia Orwell, “todos são inocentes até prova em contrário – excepto se forem pobres, jovens e contestatários; aí, são culpados até que se prove que estão vivos.”
A verdade é que em Angola, o verdadeiro terrorismo não é praticado por grupos radicais nem por fundamentalistas religiosos. O terrorismo por cá veste farda, gravata e crachá institucional. O verdadeiro terrorista é o sistema. É o governo incompetente que mata lentamente com a fome, com a falta de saúde, com a ausência de esperança. É o gestor público que rouba milhões enquanto crianças morrem por falta de uma seringa. Isso sim, é terrorismo – silencioso, diário, institucionalizado. Uma carnificina burocrática com rituais de poder e estatísticas manipuladas.
E não se enganem: os serviços secretos sabem disso. Mas preferem brincar de espiões caçadores de fantasmas. Sonham com terroristas como uma criança deseja super-heróis: com tanta força, que um dia pode acabar por criá-los. “Quem com monstros luta, deve cuidar para não se tornar também um”, advertiu Nietzsche. Mas o regime não leu Nietzsche. No máximo, um relatório interno com mentiras em Times New Roman e carimbo do partido.
E cá estamos, reféns de uma paranoia institucional. Num país onde a “inteligência” serve menos à pátria e mais ao partido, onde o cidadão informado é suspeito, e o que pensa diferente é considerado ameaça à segurança nacional. Um país onde a polícia política ultrapassa a imaginação de Orwell e os serviços secretos superam em eficiência… os próprios ladrões de colarinho branco, que roubam à vista de todos e, curiosamente, nunca são pegos pela “melhor secreta do mundo”.
Não é que Angola esteja a ser atacada por terroristas. Angola está a ser saqueada por uma elite mafiosa e protegida por um sistema que confunde poder com paranoia. Como bem diria Saramago, “a cegueira também é isso: viver num mundo onde se tenha desistido de ver.” E em Angola, o que não falta é gente a fazer de conta que não vê, enquanto o país se afunda.
Portanto, não nos acusem de excitar a violência por escrever. Violência é o que o povo vive todos os dias. Violência é não ter pão, não ter escola, não ter hospital. Violência é viver com medo do Estado que devia proteger. O terrorismo que o governo tanto teme não está nas ruas. Está nos gabinetes. Nas contas milionárias no exterior. Nos silêncios cúmplices. Nos processos montados. Na justiça manipulada. Nos discursos vazios. E, acima de tudo, na secreta… que tudo vê, menos o que realmente importa.
Mas sejamos justos: se um dia um atentado acontecer, já sabemos quem vai reivindicar. Não será a Al-Qaeda. Será a incompetência.
O povo angolano, esse, enterrou o machado da guerra há mais de duas décadas. Hoje, o que quer é comida, dignidade, um futuro. Mas o governo insiste em oferecer-lhe medo. E se há violência mais eficaz que o terrorismo, ela atende pelo nome de incompetência governativa — que mata mais do que bombas, pela via lenta e silenciosa da fome, da falta de cuidados de saúde, do desemprego.
A ironia é que as nossas “secretas” superam a CIA, o FSB e até o MSS chinês. Nenhum atentado escapa. É um sucesso absoluto…
Talvez Camus tivesse razão quando disse que “o verdadeiro campo de batalha é o coração humano”. Em Angola, parece que o campo de batalha é também a imaginação fértil dos nossos órgãos de segurança. E como lembrava Orwell, “o objetivo do poder é o poder”. A luta contra um inimigo imaginário é apenas mais uma forma de o manter intacto.
Por: Horácio dos Reis