
31/07/2025
Ao fim de três dias, o ministro do Interior, Manuel Homem, prestou finalmente declarações públicas, apresentando o balanço dos trágicos eventos como se contasse parafusos de uma fábrica, em tom de enfado e confusão. Entre os números lançados com frieza, surge o mais chocante: 22 mortos. Não há memória de repressão de uma manifestação popular que tenha causado tantos mortos na era de José Eduardo dos Santos.
por MOIANI MATONDO
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Depois de reunião de Conselho de Ministros, ao terceiro dia de fortes protestos da população, Manuel Homem, o ministro do Interior, apresentou finalmente declarações públicas, como quem se tivesse esquecido do papel principal na peça ou acabasse de perder no jogo de faz-de-conta. A sua função? Fazer o balanço dos eventos recentes em Angola. O tom? Um misto de enfado e confusão, como se o tumulto fosse uma arruaça colectiva e não uma revolta popular com sangue e dor.
Para Manuel Homem, os acontecimentos que ocorreram durante a greve dos taxistas foram puro vandalismo, como se o povo tivesse saído à rua apenas para destruir e saquear — e não por razões bem mais profundas e dolorosas.
No seu inventário tragicómico, o ministro apresenta vítimas como quem enumera produtos numa lista de supermercado: dois carros, uma ambulância, três autocarros… ah, e sim, umas quantas pessoas também. Dá quase a entender que a importância da chapa metálica é idêntica à do ser humano. Na sua lógica, parece que uma ambulância amolgada dói o mesmo que a mãe indefesa, Ana Mutuila, morta por um tiro nas costas. Parece que o destino de um autocarro é tão trágico como o de um jovem caído a tiro. A gramática da tragédia ficou toda trocada.
A aparência do ministro Manuel Homem também não ajudou — uma cara redonda e pacata, mais adequada para organizar tardes de futebol salão do que para comandar operações com gente fardada e armada. Nada ali inspirava respeito, muito menos autoridade. Se era para impor medo ou tranquilizar, falhou em ambas. E entre números lançados com frieza, surge o mais chocante: 22 mortos. Vinte e duas vidas interrompidas como notas rasgadas de uma música que nunca chegou a tocar. E, ainda assim, a entrega da estatística parecia coisa rotineira, como quem fala das vendas trimestrais da fábrica de parafusos:
"Temos 22 mortos, destes, a destacar, um efectivo da Polícia Nacional de Angola, que, em serviço, foi, infelizmente, vítima desta acção que aconteceu na província de Icolo e Bengo. Igualmente, temos registos de 197 feridos e também 1214 cidadãos detidos pela prática de actos de vandalismo e pilhagem e também instituições como: 66 lojas da rede de várias entidades — são várias empresas que aqui não importa realçar — e que, também, entre outras instituições, destacam-se agências bancárias e também viaturas de cidadãos e de instituições públicas, como viaturas da Polícia Nacional e ambulâncias, autocarros, que foram vítimas deste vandalismo, que os órgãos do Ministério do Interior tomaram as medidas para assegurar que voltássemos à normalidade."
Não há memória de repressão de uma manifestação popular que tenha causado tantos mortos na era de José Eduardo dos Santos. A era de Lourenço superou na matança.
No meio dos acontecimentos, sobressai a história brutal da mãe que caiu morta ao tentar proteger o filho dos disparos da polícia. A zona não tinha supermercado, não havia assalto, tampouco se vislumbra algum risco que justificasse a intervenção armada.
Era apenas uma mãe e um filho — e uma ordem, aparentemente, para disparar indiscriminadamente. Matar! F**a a sensação inquietante de que a Polícia Nacional recebeu sinal verde para semear o terror e silenciar o povo. E esse descontrolo, por mais conveniente que seja atribuí-lo a factores externos, parece ter nascido da ausência gritante de liderança por parte do ministro do Interior. Perante esta gestão da intervenção das forças de segurança, ouvimos o ministro dizer no seu discurso: "Queremos transmitir uma mensagem de confiança nos órgãos de segurança nacional" e ainda: "Estaremos sempre atentos para dar resposta adequada a cada situação." É isto que o actual governo considera uma resposta adequada?
Mas a culpa não se limita a Manuel Homem.
Ele é apenas uma peça, talvez a menos polida, no tabuleiro de nomeações feitas ao sabor de amizades e jogos de bastidores. Ministros escolhidos como quem escolhe convidados para um banquete: "Este é simpático", "Aquele elogia bem", "O outro conhece alguém importante".
Meritocracia? Nem vê-la. O resultado é um governo de equívocos, em que o Interior é entregue a quem parece mais talhado para cuidar de interiores domésticos do que da segurança pública.
E no epicentro deste carrossel de más escolhas está o nome que ecoa por entre as ruínas da credibilidade política: João Lourenço. A dança das cadeiras, alimentada por bajulações e favores, desenha um retrato deprimente de um país onde a liderança não lidera, apenas decora. E entre estatísticas, lojas saqueadas, veículos danificados e corpos caídos, resta a sensação amarga de que alguém confundiu democracia com um catálogo de peças danificadas.
Urge a demissão de Manuel Homem, para que a segurança pública seja tratada com um mínimo de seriedade e responsabilidade.
Com ar de quem acabou de perder no jogo de faz-de-conta, Manuel Homem, o ministro do Interior, lá apareceu ao terceiro dia, como quem se esqueceu do papel pri