23/07/2025
BISPO RECUSA DITADURA
O arcebispo emérito do Lubango é uma das vozes mais lúcidas e comprometidas com a Verdade e a Justiça Social em Angola. Há dias, Sua Excelência Reverendíssima deu asas à imaginação e pôs os dedos a dançar sobre o teclado do computador. O resultado foi um sério alerta à navegação: Uma chamada de atenção que deveria convocar à reflexão todo o País. O texto, intitulado “O Meu Patrão É o Povo”, foi publicado no Novo Jornal. Uma advertência serena. Mas contundente, contra os excessos do poder e a regressão autoritária que se alastra em Angola.
Dom Zacarias Kamuenho, do alto da sua autoridade eclesiástica e da sua estatura moral, desmonta com palavras serenas, mas de peso e medida, o spot emitido até à exaustão no noticiário das 20 horas da Televisão Pública de Angola (TPA), relativo à visita do Presidente da República à (nova) província do Moxico Leste, no dia 6 de Junho, e à subsequente entrevista concedida à estação pública.
O prelado assinala que o referido spot representa um regresso ao Absolutismo e denuncia, com clareza e firmeza, os vícios do Sistema: Despotismo, nepotismo e assalto impune ao erário. Tudo marcas de um poder que se afasta dos fundamentos republicanos e se reconcilia perigosamente com a corte, o privilégio e a mentira institucional. Dom Zacarias Kamuenho não vê o País com bons olhos. Angola, no seu juízo, pode estar a caminhar para um desastre político, com toda a insegurança que isso acarreta para os cidadãos. O tom pastoral do texto não esconde o seu conteúdo político: Trata-se de um grito de alarme. Uma súplica civilizacional. Uma tentativa de evitar o abismo.
Leiam, por isso, este excerto, que deve figurar como lição cívica em qualquer escola ou parlamento de um País minimamente decente:
“Ainda vamos a tempo de evitar uma segunda edição do 27 de Maio de 1977. Nesse, tivemos um Agostinho Neto que, apesar dos pesares, teve a coragem de mandar para os massacres. Ainda vamos a tempo de evitar um pós-eleições como o de 1992… ou o de 2022, em que todo o mundo soube quem perdeu as eleições. A ORION e a Comissão Nacional de Eleições (CNE) trabalham de Janeiro a Dezembro de cada ano, haja ou não eleições, a expensas do invisível ‘Patrão’… Ainda vamos a tempo de desmantelar, sem violência física (mas espiritual), as estruturas da Mentira e do Pecado. Ainda vamos a tempo de nos sentarmos, olhos nos olhos, para ‘corrigir o que está mal e melhorar o que está bem’…Ainda vamos a tempo de Pensar Angola, essa Angola que herdámos do nosso encontro com a cultura portuguesa. Pelo slogan inicial — ‘O MPLA é o Povo e o Povo é o MPLA’ — entrou o Absolutismo e o Mercantilismo, ainda vigentes. Pelo slogan final — ‘O meu Patrão é o Povo e o Povo é o meu Patrão’ — deve entrar a SOLIDARIEDADE, um dos princípios basilares da concepção cristã da organização social e política.”
Mais do que um desabafo clerical, o juízo expendido por Dom Zacarias Kamuenho é uma advertência profética. Um texto com peso, medida e, acima de tudo, legitimidade. Um chamamento à consciência nacional, vindo de alguém que conhece, por dentro, os trilhos sinuosos da história política angolana. Dom Zacarias fala como pastor, mas também como cidadão vigilante e guardião da memória de um povo sofrido, tantas vezes usado, traído e silenciado.
O artigo de Dom Zacarias Kamuenho é lúcido e corajoso. Comprometido com a verdade, com a cidadania e com a decência. Num País onde o silêncio virou estratégia de sobrevivência, e a bajulação se tornou escadote para a ascensão social, só me resta dizer, com humildade e gratidão: Ouvimos, Senhor! Agradecemos por tamanha e profética lucidez política.
Por: Jorge Eurico