
11/07/2025
NEM TODO O RAP é feito para dançar ou erguer punhos no ar. Há um canto sombrio do hip-hop onde os pesadelos rimam em BPM, onde o microfone se torna uma faca e os beats soam como corações acelerados na penumbra. Esse lugar chama-se — um subgénero que nunca quis agradar, apenas assustar.
O som começou a ganhar forma nos anos 80, quando o mundo ainda tentava perceber o rap. Em Houston, os lendários Geto Boys traziam letras sobre doenças mentais, trauma e violência demasiado real para passar na rádio. Willie D e Bushwick Bill não falavam apenas dos horrores da rua — eles viveram-nos.
Mas o pântano do Sul não era o único berço das sombras. Em Memphis, o Three 6 Mafia — ainda nos tempos de DJ Paul e Lord Infamous — criava cassetes que pareciam grimórios: feitiçaria, rituais, vozes distorcidas e drum machines que soavam como batidas de um coração prestes a parar.
No Norte, Nova York assistia ao nascimento dos Gravediggaz, grupo formado por RZA (sim, o do Wu-Tang Clan), com Prince Paul e Poetic. Levaram o horrorcore a um nível mais teatral, quase filosófico — como se Edgar Allan Poe tivesse aprendido a rimar. Por outro lado, The Flatlinerz surgiram com sangue, cruzes invertidas e aquele sabor proibido que o mainstream odeia mas o underground adora.
Foi também ali, entre as sombras da Big Apple, que Kool Keith começou a mexer com os limites da mente e da carne. Ele pode até não ser rotulado directamente como horrorcore, mas sua persona Dr. Octagon cuspia versos sobre alienígenas, cirurgia psíquica e insanidade com um sarcasmo clínico. Kool Keith era (e é) o tipo de MC que parece ter saído de um hospício futurista — um precursor do bizarro, do grotesco, do rap sci-fi que beija o horror sem pedir permissão.
No Oeste, Brotha Lynch Hung, de Sacramento, fazia rap como se fosse um slasher em primeira pessoa. Letras com necrofilia, desmembramentos e uma mente doentia, mas com flow técnico e produção afiada. Se fosse branco e guitarrista, estaria numa banda de death metal.
Não podemos esquecer Esham, de Detroit, pioneiro do que ele próprio chamou de “acid rap” — psicadélico, sujo e demoníaco. Influenciou directamente os Insane Clown Posse, que criaram o seu próprio universo: o Dark Carnival, palhaços assassinos, fãs devotos (os Juggalos) e uma mitologia que ainda hoje se mantém viva, longe dos holofotes.
E depois, claro, veio NECRO, de Nova York, um dos poucos que conseguiu fundir horrorcore com metal extremo sem soar forçado. Criador do termo "death rap", é tão underground quanto influente, misturando anatomia forense com punchlines brutais.
Mais tarde, o horrorcore foi-se reinventando. Surgiram nomes como TWISTED INSANE, a criar rimas a uma velocidade insana, com temas de demência e desespero. Ou os #$uicideboy$, de Nova Orleans, que recuperaram a estética do horrorcore sulista, misturada com depressão, vício e autoaniquilação.
Hoje, o estilo não está nas tabelas de vendas — e talvez nem devesse estar. Vive onde sempre pertenceu: nas margens, nos porões, nos auscultadores de quem se sente demasiado estranho para o rap convencional, mas continua a precisar de exorcizar os próprios demónios.
Porque por vezes, o verdadeiro horror não está nos filmes… mas na batida.
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A arte fora do algoritmo.
Sons com cheiro a asfalto.