23/07/2025
Crónica – Estamos vendidos à miséria governativa
Por Nguindo António, o Pintor de Letras
Na manhã desta segunda-feira, 21 de julho, o Presidente da República, João Manuel Gonçalves Lourenço, voltou a fazer aquilo que já virou um vício: atravessar o Atlântico para cantar, com notas desafinadas da verdade, aos microfones estrangeiros. Desta vez, escolheu o estúdio da CNN Portugal.
Mais uma vez, o inquilino do Palácio da Cidade Alta preferiu conversar longe de casa. Ignorou a Zimbo, a Girassol, a LAC, o Novo Jornal e outros tantos órgãos existentes no país. Preferiu dar show no palco de fora. E foi lá, na sala da CNN, que Sua Excelência partilhou as suas inquietações. A apesar de já ter dado esse privilégio à Televisão Pública de Angola ( TPA), estamos cônscio de que não passou de um teatro sem emoção.
Na CNN, com voz segura, disse:
"Penso todos os dias na minha sucessão. Não posso permitir que o país fique nas mãos de um qualquer."
Ora, Excelência, permita-nos perguntar: quem é esse "qualquer"? E os dois que vieram antes de si, eram o quê? Desde a independência, Angola sempre foi presidida por "uns quaisquer" do mesmo clube, com as mesmas promessas, os mesmos discursos, os mesmos fracassos embrulhados em linguagem cómica. Se "um qualquer " é o que não sabe ouvir o povo, então, a cadeira presidencial já teve três inquilinos com esse perfil.
Noutra passagem, afirmou:
"Quem vier me substituir tem de fazer igual ou melhor. Se não fizer, terei remorsos."
Presidente, se o "gual" é o que se tem vivido - salários que não compram arroz, hospitais sem algodão, escolas sem carteiras e giz, e jovens sem futuro - então, remorso devia sentir agora e não depois. Porque continuar igual é empurrar o país para a beira do abismo. Sua Excelência, Angola já não aguenta mais "iguais". Angola precisa de melhores.
E veio com outra:
"O próximo presidente deve ser jovem e preparado."
Jovem para quê? Para obedecer as ordens antigas? Para dar cara nova ao mesmo regime ditatorial? Jovem não é garantia de mudança. Por outro lado, preparado por quem? Pelo partido? Quem escolhe o presidente é o povo, senhor Presidente. Se o próximo será mulher ou homem, jovem ou idoso, f**a ao critério do soberano, o povo.
Comparou os feitos do MPLA em 50 anos no poder com os 500 anos de colonialismo: "Fizemos mais do que os colonos".
Talvez sim, para os amigos do partido, os generais-milionários , os empresários-filhos-do-sistema. Mas para o cidadão comum, sinceramente, a independência continua adiada. Este ainda vive como inquilino no próprio país.
E quando Sua Excelência disse:
"Às vezes, em Angola, as pessoas manifestam-se sem razão," a minha alma estremeceu de raiva.
Sem razão?! Mesmo a barriga roncar e o estômago a sobreviver com chá de paciência?! Mesmo as mães a enterrarem filhos por falta de paracetamol?! Mesmo os cidadãos que erguem cartazes nas ruas do desespero a serem recebidos com pancadas e tiros pela polícia?! É sem razão?! Sinceramente!
Excelência, manifestar-se em Angola é um acto de coragem. É quase suicídio com assinatura pública. Não é o povo que está sem razão. É o regime que perdeu o coração.
Francamente, a entrevista em apreço foi um espelho onde o país não se revê. Um retrato falado de um Presidente que diz, mas não ouve. Que se apresenta como salvador, mas governa como ausente. Assim sendo, se o próximo fizer igual, como disse, então Angola continuará sentada à beira da estrada, com a mão estendida e os olhos perdidos.
Presidir é servir. É carregar o povo às costas e não fazer dele um tapete de conveniência. A cadeira da presidência não pode ser trono de vaidade. Deve ser altar de sacrifício. Se a sucessão for igual à governação actual, então, estamos condenados a viver num país onde a esperança é morta e o futuro é um rumor que nunca se confirma.
O povo já sofreu demais para continuar a ser governado por quem pensa mais no palácio do que no Malueca. E se o futuro for apenas uma cópia do presente, então, que Deus nos salve. 🙏🙏🙏