
11/07/2025
Higino Carneiro ignorou o presidente do MPLA e anunciou, ribombante, a sua pré-candidatura a presidente do partido. O resultado é a disrupção do princípio da autoridade e da legitimidade das decisões de João Lourenço. A exposição e desobediência de Carneiro é como a pasta que retiramos em demasiada quantidade do tubo quando vamos lavar os dentes: depois de sair do tubo, já não conseguimos fazê-la entrar de volta.
por RUI VERDE
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Higino Carneiro, depois de admoestado publicamente por João Lourenço, ignorou o presidente do MPLA e anunciou, ribombante, a sua pré-candidatura a presidente do partido. Muito provavelmente, não terá o apoio da maioria dos membros dos vários órgãos do partido – Comité Central, Bureau Político e Secretariado – para ganhar a partida, embora aparentemente conte com bastantes apoios informais.
A consequência do avanço de Higino não é a vitória na contenda interna do MPLA, é a disrupção do princípio da autoridade e da legitimidade das decisões do actual presidente. Usando uma imagem simples, é como a pasta que retiramos em demasiada quantidade do tubo quando vamos lavar os dentes: depois de sair do tubo, já não conseguimos fazê-la entrar de volta. Higino Carneiro é a pasta de dentes fora do tubo no MPLA: criou as condições para que os vários membros duvidem da capacidade de João Lourenço para impor a sua autoridade. Lançou a dúvida.
Lembremo-nos o que se escreveu aqui em Dezembro passado, a propósito do Congresso do MPLA então realizado: “Esta vitória pode assemelhar-se àqueles magnificentes castelos de areia feitos à beira-mar: são uma maravilha até vir uma onda que em segundos arrasa tudo. Os unanimismos nos partidos, sobretudo naqueles que têm uma matriz estrutural nascida do marxismo, desvanecem-se com muita facilidade… Em Angola, a mudança de José Eduardo dos Santos para João Lourenço não foi diferente. Os que aplaudiam o camarada Zedu rapidamente o mandaram embora e comemoraram João Lourenço.”
Ora, são estas a condições objectivas que Higino Carneiro está a provocar. Muito possivelmente, depois dele surgirão oficialmente outros candidatos. António Venâncio é um deles; fala-se bastante de Boavida Neto. Com um ano inteiro pela frente, pode ser impossível travar o surgimento de variadas candidaturas.
Lembremos o modo como ocorreu a escolha de Daniel Chapo para candidato da FRELIMO em Moçambique, em 2024. Antes do nome de Daniel Chapo surgir como favorito à candidatura presidencial da FRELIMO, o partido enfrentava um cenário de fragmentação interna marcado por disputas entre diferentes alas e figuras influentes. A Comissão Política apresentou inicialmente nomes como Roque Silva e Damião José, mas o Comité Central não chegou a consenso, o que reflectiu a falta de unidade e a disputa por influência. A pressão para incluir novos nomes, como Esperança Bias e Francisco Mucanheia, foi uma tentativa de acomodar diferentes correntes internas, mas também evidenciou a dificuldade de encontrar um candidato que representasse um equilíbrio entre continuidade e renovação. Roque Silva, então secretário-geral, era visto como o candidato natural de Nyusi, mas enfrentava resistência, por representar a ala mais conservadora e ligada ao statu quo. A percepção de que o partido estava a perder conexão com a sociedade civil intensificou os debates internos, com alguns membros defendendo uma renovação profunda e outros tentando preservar os mecanismos tradicionais de poder.
Foi nesse ambiente de tensão e incerteza que começou a ganhar força o nome de Daniel Chapo, visto por alguns como uma figura conciliadora e por outros como uma escolha estratégica para manter o equilíbrio entre as várias facções. A sua ascensão não apagou as divisões, mas representou uma tentativa de reconfigurar o consenso interno e preparar o partido para enfrentar os desafios eleitorais e sociais que se avizinhavam.
A violência que se seguiu às eleições gerais de Outubro de 2024 em Moçambique não pode ser dissociada das divisões internas que marcaram o processo de escolha do candidato da FRELIMO. A escolha de Daniel Chapo, embora validada com ampla maioria dentro do partido, foi vista por muitos como resultado de manobras internas, e não de um verdadeiro debate democrático. Essa percepção, aliada às alegações de fraude eleitoral feitas pela oposição, especialmente pelo candidato Venâncio Mondlane, desencadearam uma onda de protestos em várias províncias do país, com resultados de extrema violência.
A incursão por Moçambique não pretende afirmar que a história se vai repetir em Angola. As forças de defesa e segurança angolanas têm uma estrutura mais institucional e estão mais bem preparadas em termos preventivos. Além disso, a prolongada guerra civil, que assolou o país até 2002, leva a que todos prefiram opções pacíf**as.
O que daí se deduz são vectores estruturais de comportamento dos partidos do poder. No MPLA já não se está à espera do sinal de João Lourenço – as várias correntes vão-se alinhando, encontrando, conspirando, actuando. Há toda a probabilidade de ser criada uma situação de impasse num Congresso ou numa Comissão Política em 2026, ou mesmo, caso estes resultem num certo unanimismo, pode não haver comunicação às bases nem respectiva mobilização. A falta de indicação de um nome por parte de Lourenço criou um espaço vazio que vai sendo ocupado por outros actores. Parecem agora restar duas alternativas no MPLA.
A primeira é que João Lourenço consiga criar um facto ainda mais disruptivo do que o avanço público de Higino Carneiro e assuma a dianteira do processo de escolha do sucessor, apresentando, finalmente, uma estratégia ao partido. Será o suficiente para acalmar o partido?
A segunda é promover as famosas eleições primárias dentro do partido, de modo que todos se unam em torno de um candidato escolhido livremente pelos militantes.
Higino Carneiro, depois de admoestado publicamente por João Lourenço, ignorou o presidente do MPLA e anunciou, ribombante, a sua pré-candidatura a president