
14/06/2025
EM NOME DA VERDADE E DA JUSTIÇA
[um clamor pela memória de Isidoro António Ampessa]
Escrever estas palavras não é tarefa fácil. Carrego, enquanto o faço, o peso da indignação, da tristeza e da perplexidade. Entretanto, há circunstâncias na vida em que o silêncio se converte em cumplicidade, e a omissão se transforma em violência indireta. Por isso, é necessário falar, e falar com responsabilidade, rigor e dignidade.
No dia 10 de junho de 2025, minha família foi violentamente atravessada pela dor. Recebemos, atónitos, a notícia do falecimento do irmão mais velho da minha companheira, nascido em 1984. Sua morte não foi consequência de um processo natural, mas sim de um evento abrupto, envolto em circunstâncias profundamente nebulosas, versões desencontradas e lacunas inaceitáveis. Isidoro não era um número, não era mais um rosto invisível na multidão. Era um homem digno, trabalhador, responsável, um verdadeiro alicerce familiar. Assumiu, com honra e retidão, responsabilidades que a vida lhe impôs, tornando-se referência de cuidado, proteção e amor aos seus familiares. Contudo, hoje, resta-nos o vazio, a dor e, acima de tudo, perguntas que clamam por respostas. Existem, até o momento, versões que circulam de forma informal, não oficiais, nem confirmadas por instâncias competentes, que tentam explicar as circunstâncias do ocorrido. São relatos frágeis, permeados por inconsistências e omissões que, por si só, impõem a necessidade de uma investigação técnica isenta, independente e profundamente comprometida com a verdade material dos fatos. Em qualquer Estado que se pretende democrático e de direito, a vida humana deve ser um valor inviolável. Não é aceitável que um cidadão perca a vida em condições obscuras, sem que se mobilizem, de forma célere e eficaz, os mecanismos públicos encarregados de assegurar a verdade, a justiça e a proteção da dignidade humana. Diante disso, e com pleno respeito às normas, instituições e ao devido processo legal, enquanto membro da família e cidadão, manifesto publicamente a necessidade urgente das seguintes diligências:
- A realização de uma perícia técnica minuciosa sobre o equipamento envolvido no suposto acidente.
- A identificação, qualificação e oitiva de todas as pessoas presentes no local no momento do fato.
- A análise rigorosa dos laudos médicos, do atendimento hospitalar e do percurso que levou ao desfecho fatal.
- A atuação célere e imparcial dos órgãos competentes, assegurando que nenhum fator externo interfira na busca pela verdade.
Este apelo não é movido por espírito de revanche, nem por sentimento de animosidade. É movido, isso sim, pela convicção ética de que a justiça não é privilégio, não é concessão, não é mercadoria. É direito fundamental de todos, sem exceção.
O que está em causa transcende a dor de uma família. Está em causa o próprio pacto social que nos rege enquanto nação. Uma sociedade que naturaliza a impunidade, que aceita que a vida se perca sem esclarecimento, sem responsabilidade e sem consequências, compromete seu próprio futuro e sua legitimidade moral.
Por isso, convoco, de forma respeitosa mas firme, todas as consciências livres, todos os cidadãos que compreendem o valor da vida e da justiça, a se somarem a este chamado. Não se trata de um problema privado. Trata-se de uma questão pública, de interesse coletivo, de afirmação dos princípios que devem nortear qualquer sociedade civilizada. A memória de Isidoro António Ampessa exige mais do que nosso luto. Exige compromisso. Exige verdade. E a verdade, quando negada, converte-se em uma segunda forma de morte, a morte da justiça, a morte da confiança, a morte da esperança coletiva. Que este apelo se transforme em mobilização cívica, não contra pessoas, mas em favor de princípios. Não contra nomes, mas em favor da dignidade humana. Que este clamor repercuta até que a verdade prevaleça e que a justiça, que é de todos e para todos, se cumpra com integridade, coragem e decência. Porque não há paz possível sem justiça. E não há justiça sem verdade.
Bissau, 14 de junho de 2025.