17/09/2025
O Silenciamento da Infância e o Silêncio da Adolescência: Uma Reflexão aos Pais
É comum observar, no dia a dia de muitas famílias, pais e mães dizendo a seus filhos frases como: “F**a quieto um pouco”, “Já não aguento mais ouvir tua voz” ou “Para de falar”. Essas expressões, repetidas de forma quase automática durante a infância — especialmente entre os 2 e 11 anos — carregam um peso invisível, mas profundo, na formação da criança.
Na primeira infância (até os 6 anos), segundo Piaget, a criança está no estágio pré-operatório, período marcado pela intensa exploração do mundo por meio da linguagem, do faz de conta e da curiosidade incessante. Vygotsky reforça que é justamente através da linguagem que a criança internaliza valores, normas sociais e aprende a organizar o pensamento. Quando os pais bloqueiam repetidamente esse fluxo comunicativo, estão limitando não apenas a expressão verbal, mas também a construção simbólica e afetiva da criança.
Já na segunda infância (7 a 11 anos), no estágio operatório-concreto (Piaget), a linguagem e a comunicação com o adulto são recursos fundamentais para estruturar o raciocínio lógico, testar hipóteses, compartilhar dúvidas e aprender com a mediação de figuras de referência. John Bowlby, ao discutir a teoria do apego, mostra que vínculos seguros se constroem pela previsibilidade da presença afetiva e pela disponibilidade emocional dos cuidadores. Quando a criança encontra portas fechadas em sua tentativa de se comunicar, o que se constrói é um apego inseguro, marcado pela sensação de não ser ouvido nem validado.
O paradoxo aparece na adolescência. Muitos pais que passaram anos pedindo aos filhos que “se calassem” chegam ao consultório de psicologia desesperados porque, de repente, o jovem de 13 anos não quer mais conversar, não compartilha seus segredos e prefere se recolher no quarto ou buscar diálogos com os amigos da internet. Esse silêncio adolescente, no entanto, não surge de forma repentina: ele é fruto de anos de experiências onde a fala foi desestimulada e a escuta, negligenciada.
Do ponto de vista da Abordagem Humanista (Carl Rogers), a comunicação autêntica nasce de um ambiente de aceitação incondicional, onde a criança sente que sua fala tem valor. Se durante anos ela escuta que sua voz é incômoda, aprende que expressar-se é perigoso, inútil ou indesejado. Já na perspectiva da Psicologia Contemporânea da Parentalidade, estudos recentes mostram que práticas parentais baseadas na validação emocional e no diálogo constroem jovens mais resilientes, autônomos e confiantes em suas relações sociais.
A reflexão que se impõe aos pais é clara:
Cada vez que pedem a um filho pequeno para se calar, estão não apenas interrompendo uma fala, mas moldando uma relação de longo prazo.
A adolescência silenciosa que assusta tantos pais é, muitas vezes, a consequência de uma infância silenciada.
Estar presente não significa apenas prover cuidados materiais, mas oferecer escuta genuína, validando a importância da voz infantil como ponte de conexão.
Pais que desejam adolescentes comunicativos, abertos e próximos, precisam cultivar essa comunicação desde cedo. O tempo gasto ouvindo uma criança contar suas descobertas, perguntas ou até suas repetições aparentemente sem sentido é, na verdade, investimento emocional na construção de um adulto que verá a família como espaço seguro de confiança e diálogo.
Psicólogo Julio Cezar Godoy
CRP-12/20809