10/09/2025
Acredito na vida, não na humanidade.
A vida é força bruta, potência silenciosa, uma corrente que resiste e se reinventa. Mesmo diante da destruição, ela insiste. Como disse Guimarães Rosa: “O correr da vida embrulha tudo… o que ela quer da gente é coragem.” A vida não promete conforto, mas oferece a travessia — e nela encontramos sentido.
A humanidade, ao contrário, se perde em seus próprios paradoxos. Capaz de criar beleza, arte e ciência, também se revela implacável em sua crueldade. Como lembra Zygmunt Bauman, “na modernidade líquida, tudo é temporário.” Laços, compromissos, valores — tudo se dissolve rapidamente. A fluidez que poderia significar liberdade se tornou também fragilidade: relações descartáveis, promessas vazias, vínculos frágeis. A humanidade parece incapaz de sustentar a solidez ética que a própria vida exige.
Nietzsche já desconfiava desse abismo quando escreveu: “O homem é o animal ainda não determinado.” Inacabado, ele se perde entre sua capacidade criadora e seu impulso de destruição. Somos uma espécie que constrói pontes e ergue muros com a mesma facilidade. Simone de Beauvoir ecoa essa desconfiança ao dizer: “O opressor não seria tão forte se não tivesse cúmplices entre os próprios oprimidos.” A humanidade se trai a si mesma.
A vida, por outro lado, não precisa de justificativas. Ela floresce na rachadura do cimento, resiste em desertos, renasce após incêndios. Clarice Lispector afirmou: “Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.” A vida nos aceita assim: incompletos, frágeis, mas ainda possíveis.
A humanidade insiste em se autodestruir, devorada pela ambição e pela indiferença. Mas a vida é mais antiga que nós — e será também mais duradoura. Podemos perder a fé nos homens, mas não podemos negar o milagre contínuo da existência. Como disse Rosa: “O real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe é no meio da travessia.”
Se a vida resiste até nas fendas do concreto, por que ainda esperamos tanto de uma humanidade que insiste em repetir seus erros?
Acredito na vida porque ela persiste. Não acredito na humanidade porque ela insiste em se perder. E talvez a única esperança esteja em lembrar que, apesar de nós, a vida continua — e nela ainda existe possibilidade.