23/08/2025
"Um dia
Um ser de luz nasceu
Numa cidade do interior
E o menino Deus lhe abençoou
De manto branco ao se batizar
Se transformou, num sabiá
Dona dos versos de um trovador
E a rainha do seu lugar
Sua voz então
Ao se espalhar
Corria chão
Cruzava o mar
Levada pelo ar
Onde chegava
Espantava a dor
Com a força do seu cantar
Mas aconteceu um dia
Foi que o menino Deus chamou
E ela se foi pra cantar
Para além do luar
Onde moram as estrelas
E a gente f**a a lembrar
Vendo o céu clarear
Na esperança de vê-la, sabiá
Sabiá
Que falta faz tua alegria
Sem você, meu canto agora é só
Melancolia
Canta, meu sabiá, voa, meu sabiá
Adeus, meu sabiá, até um dia
Canta, meu sabiá, voa, meu sabiá
Adeus, meu sabiá, até um dia..."
O AMOR DO POETA PELA SABIÁ:
"Casei-me com Clara Nunes em 1975, e ela morreu aos 40 anos, no auge de sua carreira e vitalidade, em 1983. Numa simples cirurgia de varizes na perna houve um choque anafilático, com consequências irreversíveis de lesão cerebral. Foi mais de um mês de grande sofrimento para família e fãs. Mas, como toda a dor, o tempo passou. A vida voltou ao seu curso. O cotidiano se impôs para todos. Menos para mim. Tudo estava revirado. Tudo mudara. Eu também. Pra onde eu ia ninguém me deixava esquecer. Não tive mais sossego. Me enclausurei!
Certo dia, encontro João Nogueira que me diz : Porque não faz um samba para a Clara, um samba de adeus. Briguei com João e Mauro Bolacha que estava na conversa e recusei.
João com muita habilidade me disse: – Paulinho, só você tem autoridade pra fazer esse samba. Se você não fizer, vai pintar um monte de samba ruim sobre o assunto, e você vai ter que aturar para sempre, papo e melodia de baixa qualidade em seu ouvido. Vai em frente irmão, exorciza seus demônios e cala a voz dos oportunistas de plantão. Pensa nisso com calma. Ninguém vai se atrever fazer samba depois do seu.
João Nogueira tinha razão. A melodia foi feita e eu criei os versos mais definitivos que pude sobre o acontecimento. Ninguém ousou fazer outro, nunca mais. Porém, foi de dilacerar o coração, e eu jamais consegui cantar essa canção."
(Paulo César Pinheiro)