08/05/2025
O papado não tem apoio patrístico
O arcebispo Kenrick, de St. Louis, nos EUA (H.W. Dearden, Modern Romanism Examined, 4ª edição, p. 14), procurou na patrística a unanimidade dos “pais da Igreja” quanto à interpretação de Mateus 16.18. Vasculhou a obra Patrologiae Cursus Completus, de Jacques Paul Migne, composta por duas séries: a dos Padres Latinos, com 217 volumes in folio, e a dos Gregos, com 162 volumes — ao todo, 379 volumes in folio.
E chegou à seguinte e dolorosa conclusão: de tantos “pais da Igreja”, apenas 77 se manifestaram sobre o versículo-base da construção dogmática de Roma. Destes, 44 reconheceram ser a fé que Pedro confessara a rocha sobre a qual Jesus Cristo estabeleceu a sua Igreja. Dezesseis entenderam que o próprio Cristo é a rocha, e apenas 17 concordaram com a ideia vaticana de que Pedro é a pedra fundamental da Igreja.
De um total de 77, apenas 17 — ou seja, 22% — estiveram do lado da teologia papal; os outros 60 — isto é, 78% — sustentaram ponto de vista contrário. Se essa pesquisa tivesse sido realizada por um protestante, eu poderia levantar dúvidas. Que dúvidas, porém, poderia eu ter, sendo o pesquisador um arcebispo católico romano?
Launoy (Epist. VII, Genebra, 1731, vol. V, pt. 2, p. 99) teve a mesma diligência ao examinar a patrística com o mesmo propósito do arcebispo de St. Louis, chegando a resultados absolutamente iguais em números. E Launoy também era católico apostólico romano e doutor em Teologia pela Universidade da Sorbonne.
Esses poucos “pais da Igreja” (os 17), embora aceitem que Pedro seja a pedra da Igreja, jamais se referem ao bispo de Roma como sucessor de Pedro e, portanto, como constituído pedra da Igreja. Se aceitam esse privilégio ou encargo para Pedro, restringem-no à pessoa do pescador da Galileia.
Na ocasião do Concílio Vaticano I, em 1870, quando os debates sobre a proclamação do dogma da primazia jurisdicional do papa e sua consequente infalibilidade se acirraram, Langen, em seu livro El Dogma del Vaticano, salientou que nenhum dos “santos padres” interpretou o “esta pedra” como referência a um cargo particular e especial conferido a Pedro, com poderes de transmissão. Em sua Quaestio, o bispo Ketteler mostrou-se de pleno acordo com Langen.
O célebre bispo alemão Döllinger, ardoroso combatente do protestantismo e de Lutero, e acérrimo defensor do papado, reagiu vigorosamente, no fim de sua vida, contra a tese da primazia jurisdicional do papa e de sua infalibilidade. Por se opor aos intentos do Concílio Vaticano I, o papa Pio IX o excomungou, esquecendo-se de toda a sua luta anterior contra os protestantes.
“Quantos padres se ocuparam desta passagem!”, exclamava ele ao se referir a Mateus 16.18. “Contudo, nenhum daqueles cujos comentários possuímos — Orígenes, Crisóstomo, Hilário, Agostinho, Cirilo, Teodoreto — afirmou sequer uma sílaba sobre o primado de Roma como consequência da missão dada a Pedro e das promessas que recebeu.”
Dentre os santos Padres, sempre me impressionou João Crisóstomo, o “boca de ouro”, pela sua incomparável eloquência. Em sua Homilia LIII sobre Mateus 16.18, ele afirma claramente: “Sobre esta pedra edificarei a Minha Igreja, isto é, sobre a fé da confissão”. E, reafirmando na Homilia LIV, esclarece: “Jesus não disse que edificaria Sua Igreja sobre Pedro, porque não a edificou sobre um homem, mas sobre a fé. Que significa, então, ‘sobre esta pedra’? Significa: sobre a confissão contida em suas palavras. [...] SOBRE ESTA PEDRA, isto é, sobre a fé contida em tua confissão”.
Essa compreensão não é isolada. O bispo romano Félix III, em sua Epístola aos Bispos da Espanha, Gregório I, em sua Epístola 33 à rainha Teodelina, Cirilo de Alexandria em sua obra sobre Isaías, e Hilário de Poitiers, todos partilham da mesma leitura. Cirilo afirma: “Creio que pelo termo pedra deveis entender a fé inabalável dos apóstolos”. Hilário declara no De Trinitate, Livro II: “A pedra é a abençoada e única pedra da fé confessada por Pedro”. E ainda no Livro VI: “É sobre esta pedra da confissão de fé que a Igreja é edificada”. Jerônimo também, em seu Comentário sobre Mateus, Livro VI, é inequívoco: “Deus fundou Sua Igreja sobre esta pedra, e é desta pedra que Pedro recebeu o nome”.
Ainda adolescente, fui cativado por Agostinho de Hipona. Li suas Confissões com entusiasmo e mergulhei profundamente em seus escritos durante meus estudos na Faculdade Teológica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Copiei à mão muitos de seus sermões por não ter condições de adquiri-los. Tamanho era meu apreço que, ao escrever artigos, escondia-me sob o pseudônimo Augustinus.
Contudo, foi justamente Agostinho quem me impediu de seguir crendo na primazia de Pedro como fundamento da Igreja. Quando secretariou o Concílio de Milevis — o qual proibiu apelações ao bispo de Roma por parte dos africanos —, Agostinho deixou clara sua posição. No Comentário ao Evangelho segundo João (Tratado 124), ele escreve: “A Igreja está fundada sobre a PEDRA. [...] Não é da palavra Pedro que se deriva Pedra, mas o oposto. [...] O Salvador disse: ‘Sobre esta pedra edificarei a Minha Igreja’, depois que Pedro dissera: ‘Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivente’. E, na verdade, a PEDRA É CRISTO, e o próprio Pedro foi edificado sobre este fundamento”.
No Sermão 76, ele reforça: “PETRA é radical, e PETRUS se deriva de PETRA. [...] Eu edificarei a Minha Igreja sobre MIM, que sou o Filho do Deus Vivente; Eu te edificarei sobre Mim, e não Eu sobre ti”. E no Tratado II sobre a Primeira Epístola de João, reafirma: “Sobre esta pedra, ou seja, sobre esta fé”. Também no Sermão 13: “Sobre esta pedra que confessaste [...] edificarei a Minha Igreja — sobre Mim mesmo”.
Mais adiante, já convertido a Cristo, continuei admirando sua obra literária, especialmente suas Retratações. Nesse tratado, com humildade intelectual admirável, ele mesmo revisa e corrige seus próprios escritos. Em um trecho, reconhece: “Em certo passo, disse eu, do apóstolo S. Pedro, que a Igreja fora fundada sobre ele [...], mas lembro-me de que depois, e por muitas vezes, tenho explicado esta sentença do Salvador [...] neste sentido: que a PEDRA é Aquele que Pedro tinha confessado quando disse: ‘Tu és o Cristo, o Filho do Deus Vivente’. [...] Não diz Ele: tu és a PEDRA, mas tu és Pedro; porque a PEDRA era o Cristo, e Simão, tendo-O confessado, como toda a Igreja O confessa, foi por isso chamado Pedro”.
E conclui com sabedoria rara entre teólogos: “Harum autem duarum sententiarum, quae sit probabilior, eligat lector” — “Dessas duas interpretações, escolha o leitor a que lhe parecer mais provável”.
Sim, Agostinho facilita o livre exame. E, por mim, a escolha é clara.