
10/08/2025
“Raros foram os artistas populares que espalharam contentamento como Riachão. Pra tristeza não deu bola: quando, já no fim da vida, se lamentava de dores no joelho (“lugar de malandro é em pé, sambando”, dizia) e da memória que fraquejava, com o samba resolvia esses problemas nas hora.
Ainda garoto, sentiu-se provocado ao ler a frase que despertaria sua sina de cronista musical. “Se o Rio não escrever, a Bahia não canta”. Como assim? A partir daí, narrou em sambas-crônicas histórias de sua terra e de sua gente. Recebia suas músicas prontas - letra e melodia - daquele que dizia ser seu único parceiro, a quem nunca deixou de exaltar: “Deus é a música!”, costumava afirmar.
O Elevador Lacerda que vive a subir e a descer. O povoado que encheu a Sé para ver o umbigão da baleia. A onça que fez aquele fuá na Ondina. Os sambas na Cantina da Lua, na companhia de Clarindo Silva e Claudete Macedo. As farras no São João e na Queima de Judas. Os pedidos ao patrão para brincar o carnaval e ir à Lavagem do Bonfim. A cachacinha e o feijão das festas de aniversário. A pitada de tabaco, a zuada do apito e a saia rôta da cabrocha. Retratos fiéis da Bahia!
Mas, em meio a tanta alegria, havia espaço para falar da fome, realidade vivida na infância pobre.
“Foge a alegria do homem/ vendo seus filhos com fome”, cantou em “Pobre do pobre”, pedindo a Deus para, com a morte, pôr fim ao sofrimento. Em
“Barriga vazia”, volta a questionar o Criador: “Por que faz assim com a pobreza?”. Já os laços de solidariedade decorrentes da situação de penúria aparecem em “Panela no fogo” (“Dê um pulo na favela/ chame Maria da Guia/ diga que traga a criança que estiver com a barriga vazia”).
O último dos malandros do samba achava graça na possibilidade de chegar ao centenário. Adorava celebrar seus aniversários com amigos e familiares e, nos últimos anos, sempre cantava um samba em que brincava com a idade: “Parabéns! Se Deus quiser, vou chegar a cem!”.
Para quem dizia não pensar na morte (“não me interessa, porque meu caso é viver, é alegria”), teve um fim de vida que qualquer malandro gostaria de ter tido: dormindo, em paz. Foi morar com Deus!”
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