21/04/2025
Ouro, Lama e Sonhos: Memórias da Serra Pelada
Naqueles tempos em que o Brasil parecia pulsar ouro sob a terra, milhares de homens deixaram tudo para trás — mulher, filho, enxada, cidade — e rumaram para um lugar que virou lenda: a Serra Pelada. Não iam por aventura apenas, mas por um sonho reluzente: a chance de mudar de vida, de enriquecer num estalo, de voltar pra casa montado num cavalo branco com as algibeiras cheias de pepitas douradas.
Ali, no coração do Pará, brotou uma cidade sem lei, mas com fé. Era barro, suor e esperança misturados na mesma enxurrada. Homens de todas as partes do Brasil, de chinelo ou descalços, suavam sob o sol inclemente, enfrentando lama até o joelho e descendo nas ribanceiras com coragem insana. Pareciam formigas humanas num formigueiro que cuspia riqueza e tragédia na mesma proporção.
Os barracos improvisados, os apelidos engraçados, os causos contados à beira do fogareiro… Tudo isso fazia da Serra Pelada um teatro de sonhos. Alguns encontravam ouro — e logo perdiam no bar, na jogatina, na promessa da mulher bonita que sumia na manhã seguinte. Outros jamais viam nem farelo do metal, mas seguiam cavando, como se cada batida da pá fosse uma reza.
Teve quem enlouqueceu, quem morreu soterrado, quem virou lenda. Mas também teve quem voltou pra casa com a dignidade restaurada, mesmo sem ouro — porque viver aquele tempo era, por si só, viver algo maior que a própria vida. Serra Pelada foi, para muitos, o último grande delírio romântico de um país que ainda acreditava no tesouro escondido.
E mesmo hoje, quando a poeira assentou e o garimpo virou ruína, ainda há quem feche os olhos e ouça o eco da cantiga das bateias. O sonho continua, em alguma veia da terra ou da alma.
texto : João Carlos (Tiguinho)