01/07/2025
EDITORIAL D&F: A doença está diagnosticada. E o remédio?
Há muito que Moçambique sabe qual é o seu diagnóstico. Sabe, aliás, desde a primeira hora. Os sintomas são cada vez mais evidentes, os relatórios acumulamse, os debates sucedem-se — ora em simpósios académicos, ora em mesas políticas, ora em páginas de jornais. E, no entanto, o doente continua prostrado, sem reacção, sem sinais claros de que está disposto a tomar os medicamentos que lhe são constantemente prescritos.
No recente simpósio alusivo aos 63 anos da Frelimo e aos 50 da independência nacional, o académico João Barros voltou a pôr o dedo na ferida: temos um modelo económico que não serve os moçambicanos. Temos um sistema produtivo desarticulado, um mercado laboral que penaliza o saber, uma estrutura estatal que personaliza o poder, e uma dependência crónica de receitas externas e de receitas políticas. Nenhuma destas constatações é inédita — e é esse, talvez, o maior drama.
A observação de que “quanto mais se estuda, menores são as hipóteses de emprego” é, por si só, um grito de alerta contra uma inversão estrutural profundamente perigosa. A educação — o principal motor do progresso em qualquer sociedade — converteu-se, entre nós, numa estrada que termina em frustração. Um jovem licenciado, com competências técnicas e ambições legítimas, encontra-se frequentemente num beco sem saída, enquanto o mercado informal prolifera como único espaço de sobrevivência económica.
A crítica de Barros à “confiança cega” nas instituições financeiras internacionais vem juntar-se a uma longa lista de vozes que já alertaram para a inadequação dos modelos impostos a Moçambique. E, no entanto, continuamos a executar recomendações externas como se fossem receitas infalíveis, ignorando que contextos diferentes exigem soluções diferentes.
A questão que se impõe é: o que está a faltar para que Moçambique passe da fase de diagnóstico à fase de tratamento? Se os problemas estão identificados, se os erros do modelo são visíveis, e se há propostas coerentes vindas de académicos, empresários, artistas, activistas e até políticos — porque não se avança?
A resposta poderá residir numa conjugação de factores: ausência de vontade política real, captura das instituições por interesses particulares, medo de reformas estruturais, e uma cultura de governação ainda demasiado centrada na figura do “salvador”, em vez de assente em instituições fortes e políticas públicas bem desenhadas. Barros sublinhou, aliás, a “excessiva personalização da governação” como uma das principais razões da estagnação actual.
O sector privado não tem robustez. A banca não serve a economia produtiva. O ordenamento territorial está entregue ao caos. A produção interna não é interligada. E mesmo com reservas minerais avaliadas em milhares de milhões de dólares, os moçambicanos continuam presos à pobreza — porque o sistema não transforma os recursos em riqueza nacional partilhada. A realidade é que Moçambique continua a ser um país com recursos abundantes, mas com resultados medíocres.
As soluções existem. Falta, porém, a coragem de executá-las com seriedade, continuidade e sentido de soberania. Falta rasgar os contratos leoninos que favorecem multinacionais à custa do erário. Falta fazer da escola uma verdadeira base de poder popular, como defendia Samora Machel. Falta enfrentar os bancos que sufocam o empreendedorismo com taxas impagáveis. Falta ligar as regiões, planear o território, tratar a terra como factor de produção e não como instrumento de clientelismo.
Barros não foi o primeiro a dizer tudo isto. Mas a sua intervenção recorda-nos que o tempo para agir está a esgotar-se. O futuro que se aproxima não perdoará a hesitação. Continuar a adiar as reformas é escolher o declínio.
Moçambique conhece bem o seu problema. Está na hora de o enfrentar. E começar, finalmente, a tomar os remédios — por mais amargos que sejam.