
21/09/2025
🗞 Hoje recordamos o texto «𝐀 𝐋𝐚𝐠𝐮𝐧𝐚 𝐝𝐚 𝐋𝐚𝐠𝐨𝐚», publicado em dezembro de 2023 no Diário da Lagoa.
✒️ 𝘗𝑜𝘳 𝘝𝑖𝘤𝑡𝘰𝑟 𝐻𝘶𝑔𝘰 𝘍𝑜𝘳𝑗𝘢𝑧
«1 – A história geológica dos Açores ainda não se encontra totalmente desvendada apesar do envolvimento de variados cientistas nacionais e estrangeiros. Sabe-se que o oceano Atlântico resultou da fratura de um gigantesco continente. Essa megafractura rasgou territórios de norte a sul da crosta terrestre e hoje em dia denomina-se MAR = Crista Média do Atlântico. Assim, para um lado ficaram a Europa e a África. Para o outro lado ficaram as Américas (do Norte e do Sul). Ao longo de milénios, essa fractura foi se abrindo e o fundo do mar crescendo.
2 – Há cerca de 40 milhões de anos terá surgido, no meio da grande fenda norte- sul a raiz do que seriam as ilhas Açorianas. Rochas dragadas do fundo do mar, a leste dos Açores, revelaram tais idades e a grande fissura do Atlântico, por sua vez, também passou a ser acompanhada por outra de orientação leste-oeste. Esta fratura leste-oeste denomina-se Fratura Açores Gibraltar.
3 – A primeira ilha a surgir do fundo oceânico foi Santa Maria, há cerca de 6 milhões de anos. Ou seja, em termos geológicos, Santa Maria é uma ilha relativamente nova. Depois seguiu-se o vulcão das Formigas, e a seguir gerou se o Complexo Vulcânico do Nordeste, fissural, constituído por imponentes montanhas iniciadas há cerca de 4,5 milhões de anos. Este território aumentou para poente, com os grandes vulcões da Povoação e das Furnas.
Após um curto tempo de repouso vulcânico, apareceu o vulcão das Sete Cidades e assim se construiu a ilha das Sete Cidades. Ou seja, há cerca de 500 mil anos, nesta área dos Açores, havia duas ilhas, a ilha das Sete Cidades, a poente e a ilha de São Miguel, a nascente. Esta era constituída pelos Vulcões de Nordeste + Povoação + Furnas. Entre essas duas ilhas havia um largo canal de oceano. Entretanto o vulcanismo reacendeu-se há cerca de 250 mil anos e gerou o Vulcão do Fogo, construído ao lado do vulcão das Furnas. Desse modo, a ilha de São Miguel aumentou de área e o canal encurtou.
Seguiu-se, novamente, um período de acalmia vulcânica. Nesse tempo já existia o território que presentemente é ocupado pelo concelho da Lagoa. Em frente, lá ao longe, situava-se a bela ilha das Sete Cidades, imponente e já bem coberta por densa vegetação.
4 – Porém um intenso vulcanismo apareceu no canal entre a ilha das Sete Cidades e a ilha de São Miguel, preenchendo-o gradualmente e iniciando-se há cerca de 50 mil anos. Mas este vulcanismo foi diferente dos anteriores, isto é, instalou -se em grandes fendas rasgadas no fundo do mar. Essas falhas geológicas eram quase paralelas umas ás outras e geraram milhões de metros cúbicos de lavas basálticas. Tal como na Islândia. Por fim o canal fechou-se, preenchido por enormes campos de lavas de basalto onde se dispersavam algumas dezenas de cones de bagacinas ( = cascalhos), alguns bem altos como a Serra Gorda, quase a meio do ex-canal. Esse novo território denomina-se CVP ou Complexo Vulcânico dos Picos. Há cerca de 2.500 anos, um derrame de basalto, fluido, brotou duma falha geológica no eixo do CVP e alcançou o terreno de Santa Cruz, metendo-se pelo mar adentro, formando o promontório onde hoje em dia ficam as piscinas da cidade da Lagoa. E assim se constitui a bela baía de Santa Cruz — a nascente, ficavam as encostas da Serra de Água d’ Alto; a poente o promontório de basaltos das atuais piscinas.
Seguiram-se anos de tempestades marítimas e de fortes correntes de enchente e de vazante. E o mar, no seu “trabalho” secular, movimentou areias e contribuiu uma grande e bela praia de areias mistas, ora anegradas, basálticas, ora amareladas, de pedra-pomes. A ribeira de Santa Cruz, volumosa e vigorosa, rasgou o areal e gerou uma formosa laguna (ver foto). Depois veio o povoamento e veio a geografia. E os nomes a dar dos locais que se colonizavam. E daí Laguna, termo continental, para Lagoa, mil vezes Lagoa…
E na praia da baía com laguna as embarcações, pequenas e grandes, varavam com segurança. Assim se manteve a paisagem durante séculos.
Nos anos 60, meus colegas biólogos da FCU Lisboa, à moda de São Jorge, tentaram introduzir ameijoas na laguna, sem sucesso imediato, porque a laguna era de geometria instável e por vezes era muito curta e sem água doce no verão.
5 – Contudo, quando não se falava de Ambiente, veio a ganância da construção civil e obras no porto de Ponta Delgada, sem o estudo cuidadoso das correntes marítimas. A extração terrestre do areal e as largas dragagens de barco, muitas clandestinas, conforme constatei, liquidaram a bela praia e a formosa laguna.
E a costa virou calhau rolado, tétrico resto do que a Mãe Natureza esmeradamente construíra.
Durante o projeto geotérmico, em 1977-78, a Marinha Portuguesa estudou troços das costas norte e sul de São Miguel, visando acautelar contaminações pelos fluidos geotérmicos. E estudou-se Santa Cruz. Assim, o areal é recuperável…, mas custa uns milhões de euritos! Oremos…, mas as praias não dão votos.»
📷 Fotografia da Baía de Santa Cruz com indicação da localização da laguna e respetivo areal © Miguel Simas
ℹ️ Texto publicado em: https://diariodalagoa.pt/a-laguna-da-lagoa/