
07/08/2025
EDITORIAL: VIVER HABITUALMENTE
Durante meses, Inverno afora, a calçada da Rua Miguel Bombarda manteve-se cheia de crateras e pedras levantadas, isto na via principal da cidade. Assim continuou. Três dias antes da “feira medieval” vieram dois calceteiros, à pressa, atamancar a coisa, vinham aí os visitantes da feira. É este o respeito que esta gestão camarária tem pelos torrejanos: zero. Escandalosamente zero. Perfeitamente nas tintas para quem cá vive e habita a cidade todos os dias. Não houvesse feira e a rua continuaria como estava. Porque tudo o resto, mais dissimulado, dá conta do mesmo desprezo pelos cidadãos desta maioria autárquica de mais de 30 anos.
Passeios, bancos, pilaretes, floreiras, pontes, decks junto ao rio, recolha de lixo nos parques e jardins, nojeira dos patos à entrada do Almonda Parque como cartão de visita, ruas pejadas de m***a de pombo porque continua a ser um mistério como não se consegue acabar com a epidemia de pombos que conspurca quintais e terraços, varandas, ruas e beirais, ruas sem higienização anos e anos (só a chuva as lava no Inverno), árvores a crescer nas margens e a tapar o leito do rio como nunca visto em tempo algum, sem responsabilização de proprietários e acção da câmara, quando lhe toca a si, enfim, um longo e infindável rosário de detalhes que fazem de Torres Novas uma cidade que parece permanentemente suja, desarrumada, deslavada, abandonada. Um panorama que seria trágico se não fosse o “bilhete postal” da visão, a partir da avenida, do jardim, do rio e do castelo, esse pequeno troço que encanta os passantes e que devemos aos que, há 90 anos, o desenharam e o deixaram às gerações seguintes, e a praça. Sem esses dois pedaços, Torres Novas seria, como terra, uma inexistência.
Exemplo maior deste estado de coisas é o corredor ecológico do Almonda (ver reportagem neste site). Saudado e apoiado pela unanimidade dos torrejanos, independentemente das suas tendências, foi visto como uma “obra” que vinha, finalmente, iniciar (sim, apenas iniciar) um programa de valorização do rio Almonda e da sua fruição pelos cidadãos. Imaginava-se que a autarquia assumia saber que uma estrutura deste tipo, como um parque ou um jardim, precisaria de manutenção anual, no mínimo, e de vigilância e de atenção permanentes. Mais uma vez, a desilusão total. Num emaranhado desculpas e teses esfarrapadas (o célebre alimento para abelhas) deixou-se cair o corredor ecológico num estado de degradação que foi um balde de água fria para todos os que o frequentavam. O essencial do corredor, o seu mote, a justif**ação da sua existência, é o rio. E poder ver-se o rio e desfrutar a visão e presença do rio.
O que acontece? O trilho foi encurtado pelo avanço das ervas, as margens estão pejadas de ervas e arbustos que tapam completamente a vista do rio, transformando o que era um corredor ao longo da linha de água num carreiro de ervas em que não se vê nada a não ser ervas invadindo tudo e obliterando a presença do rio. Uma tristeza. Para o que importa, para o que tem que ver com a valorização e manutenção do espaço urbano, é isto que temos, infelizmente.
Porque no que toca ao foguetório e aos folguedos contínuos e permanentes que caracterizam esta maioria alegadamente socialista, que navega no populismo mais desbragado da caça ao voto em tudo o que é procissão e sardinhada, festa e festarola, aí não se cortam as unhas, é sempre a abrir. O caso mais recente, verdadeiramente anedótico e passível de causar vergonha alheia, foi a condecoração de “personalidades” pelo seu papel durante a epidemias do COVID. Por miúdos, agraciamento de pessoas que estavam nos seus cargos a desempenhar o papel que deveriam ter desempenhado por inerência do próprio cargo, certamente com a dedicação que se esperava. Para memória futura, e por proposta do presidente da Câmara, foram aprovados numa sombria reunião de Julho “louvores públicos” ao coordenador da protecção civil (quem não se recorda do fabuloso episódio do “Fado da Pica”, justamente durante a vacinação, volta Carlos Ramos, estás perdoado), a uma técnica camarária do gabinete de crise do município, à delegada de Saúde, à directora dos centros de saúde, ao presidente do conselho de administração do centro hospitalar, ao comandante da GNR, à delegação da Cruz vermelha, à PSP, à Comunidade intermunicipal…
“É um dever do município honrar os que trabalharam em prol da segurança e saúde de toda a comunidade torrejana, naquele que nesta matéria, foi um dos maiores desafios da nossa história moderna”, assim rezava o justif**ativo, como se na nossa história moderna não tivéssemos tido a pandemia da pneumónica em 1918/20, as persistentes epidemias oitocentistas locais de cólera e tifo, que ceifavam centenas de pessoas, como se fosse possível saber que nós, os de hoje, fomos melhores e mais empenhados que os de ontem, sem meios e abandonados ao mundo perante desastres semelhantes, e sendo melhores, espetarmos medalhas a nós próprios sem cuidar que será da história o julgamento mais distanciado e justo. Como se fosse possível, em face das respostas a uma calamidade como foi a COVID, elevar o papel de alguns, ainda por cima e basicamente dirigentes e portadores de cargos, apenas por isso, e esquecer outros (podíamos falar dos médicos e enfermeiros, dos auxiliares de saúde, dos que garantiram o pão e outros alimentos básicos, dos asseguraram serviços colectivos mínimos, enfim...).
“Foge cão, que te fazem barão! Fujo para onde, se me fazem visconde?” - parece ser, do velho ditado, a inspiração da fidalguia socialista de hoje, virada para os seus umbigos a pendurar medalhas em tudo o que à sua volta mexe, porque em tudo o que mexe há sempre uma potencial cruzinha, bem desenhada, para que o estado a que isto chegou se perpetue sem sobressaltos e, como dizia o Botas citando os latinos, possamos continuar a “viver habitualmente”.
A direcção editorial do JT