27/06/2025
Hoje preciso de um abraço…
Não desse abraço raso que se dá por obrigação, feito de cotovelos e costelas viradas, cheio de ar e vazio de alma. Não desse abraço que é uma conquista, um troféu para quem me envolve os braços e pensa, lá no fundo podre, “Olha-me aqui, tão magnânimo, a consolar esta criatura". Esse abraço envenena. Esse abraço é uma faca de ponta romba a serrar-me por dentro.
Não.
Preciso do “outro”!
Do abraço que não quer nada de mim. Absolutamente nada. Nem gratidão, nem sorriso, nem sequer um suspiro de alívio que o valide. Um abraço que é apenas presença. Pura. Bruta. Desarmada.
Um abraço forte. Que me aperta até sentir os ossos rangendo, mas não para me partir. Para me lembrar que estou aqui. Encarnada. Feita de carne, osso e uma fadiga que me corrói os tendões. Um abraço que não asfixia o grito, mas que o contém, como um útero de músculo e silêncio.
Um abraço sem pieguice. Sem aquele melaço barato de falsa compaixão que me deixa mais pegajosa, mais suja. Sincero como um soco no estômago. Direto. Limpo. Que diz, sem palavras: “Estás fodida. Eu sei. Estou aqui. Não te largo."
Um abraço sem sabor a conquista. Um abraço que não é vitória de quem abraça, mas trégua. Um cessar-fogo num campo de batalha onde eu sou, há demasiado tempo, a única combatente. A única ferida. A única a arrastar-se na lama.
Doce? Sim. Mas doce como a água depois do deserto. Doce como o primeiro ar que entra nos pulmões quando quase me afogo. Doce e seguro. Como um porto que não exige que o navio seja bonito, apenas que chegue.
Incondicional. Como só o abraço de quem não tem nada a ganhar com o meu colapso ou a minha ressurreição pode ser. Um abraço que segura a queda sem julgar o tropeção. Sem apontar a pedra, o buraco, a minha perna trémula. Que segura e cala.
Silêncio. Ah, o silêncio! Nada de "vai correr tudo bem". Nada de "és tão forte". Nada de conselhos de m***a tirados de um calendário de tasca. Apenas o calor. O peso. O confinamento momentâneo dentro de um círculo de braços que não exige explicações. Que não quer o meu desabafo. Quer apenas sustentar-me. Como a terra sustenta a árvore quebrada pelo vento. Sem aplausos. Sem pena. Apenas sustento.
E sabes o que mais doi?
É que esse abraço raramente vem dos que gritam aos sete ventos serem amigos. É essa a grande mentira, a grande pilhéria cósmica. Às vezes vem de um estranho. De um olhar cruzado na rua. De um texto escrito por alguém que nunca me viu, mas que arrancou um pedaço da própria carne e o ofereceu, ainda a pulsar, em forma de letras. Às vezes vem de dentro. Quando, na escuridão total, me encontro a mim mesma no fundo do poço e, em vez de cuspir, abraço-me!
Aceito-me. Com a minha exaustão que é um continente, com a minha tristeza que é um oceano, com o meu "suficiente" que hoje é apenas uma gota deste rio, mas é meu. E é real. E é tudo o que posso dar.
E está bem.
Está bem.
Aqui está a carne da minha fadiga. A carne da minha raiva contra a obrigação de ser forte quando só quero ser humana. A carne da minha solidão no meio da multidão que me quer perfeita, admirável, invejável. A carne da minha luta.
Tenho a coragem de aceitar que o erro me define? Ele define. Ele esculpe. Ele é o cinzel que me talha a alma. Não o nego. Escrevo-o. Escrevo os meus tropeços com a mesma intensidade com que escrevo as minhas vitórias. Porque é essa intensidade que me distingue. Essa fome de verdade, mesmo que ela arda como ácido.
Escrevo como catarse! Arranco os pedaços. Arranco-os vivos, sangrentos, palpitantes. Exponho as vísceras da minha autenticidade. Que os julgamentos dos que "admiram" mas só invejam a casca, a miragem, a ilusão do que pensam que eu tenho... que esses julgamentos se afoguem no sangue da minha verdade. Eles não sabem. Nunca saberão. Não sabem que é o vazio, a falta, a fome insaciável de mais vida, mais verdade, mais intensidade – não o que tenho, mas o que falta – que me faz lutar. Que me faz ser esta versão combativa, esta fera intensa mas cansada que não sabe desistir, mesmo quando os ossos pedem tréguas.
Sou o erro e o fogo.
Sou a ferida e a luz.
Sou o grito silencioso que arranca pedaços – meus e de quem os ler – para que a carne viva por baixo do medo, por baixo da mentira, por baixo da inveja alheia e respire.
Escrever para mim é sangrar viva.
É o abraço que me dou.
É o abraço que te ofereço.
Sem palavras.
Apenas contendo, segurando.
No silêncio que cura.
Cá estou. Sempre verdadeira. Sempre crua. Sempre a arrancar pedaços para nascer de novo.
Partilha também o teu grito. A tua carne. A tua cura.
Estou aqui. Sempre.
Até amanhã ♥️
Isabel Rodrigues Valente