24/12/2025
🇦🇴 GUERRA CIVIL ANGOLANA
A FORMAÇÃO DO GOVERNO DA -REPUBLICA DEMOCRÁTICA DE ANGOLA
25 DE DEZEMBRO [1975]
UM PRESENTE DE NATAL
O dia começou pelo pequeno-almoço com a presença de Holden Roberto. O Presidente continua bem disposto e até puxou da sua máquina fotográfica com flash electrónico e tirou-nos algu-mas fotograias.
Depois apareceu o Presidente Savimbi que se sentou à mesa mas não tocou em nada, pois já tinha tomado a sua refeição matinal.
Seguiu-se uma reunião com as principais patentes militares a que não assisti. Ouvi, no entanto, os aplausos que coroaram o anúncio de alguma decisão importante. Soube pouco depois que se tratava da nomeação do nosso comandante Luís como comandante-geral daquela zona.
Fomos então todos para o aeroporto. Os dois presidentes e o Chipenda seguiram para Ekovongo (Silva Porto), onde se iam encontrar com os chefes das tropas zairenses que aí já se deviam encontrar.
Tudo está a correr amenamente, aparentemente resolvidos os problemas vividos tão intensamente até ao dia de Natal.
Até parece que a paz chegou realmente aos homens de boa vontade.
O Presidente, sempre optimista, confidenciara-me que o Presidente da UNITA reconhecera que fizera mal com as suas intervenções nos comícios do Huambo e do Cubal, tendo contudo tentado explicar a sua atitude política com as pressões que estaria a sentir do seu próprio bureau político. O nosso Presidente aproveitara para Ihe dar um paternal puxão de orelhas, fazendo-lhe ver que ele tinha era de disciplinar esse mesmo bureau. O Presidente estava naturalmente satisfeito pela oportunidade que se lhe oferecera de dar uma boa lição da arte de Maquiavel a Savimbi, exibindo uma predisposição de espírito de que eu infelizmente não partilhava de todo. Muito menos acreditava que o todo-poderoso Presidente da UNITA estivesse ou se sentisse sequer ameaçado na sua posição pela linha N'Zau Puna, Vakulukuta e Vahekeny, como o nosso Presidente dizia estar convencido e Savimbi, eventualmente, lhe terá deixado deliberadamente aperceber.
Regressei de boleia até ao Palácio com o José N'Dele, que também transportou a família Mendonça. Tudo o que queria era um bom banho e por isso fui até à casa do José Bastos, pois sabia que no hotel continuava a seca. A filha do Mendonça também queria lavar os seus longos e frisados cabelos louros, pelo que me acompanhou perante o olhar pouco complacente do pai. Afinal era dia de Natal e acabámos convidados para almoçar na casa em frente do Dr. Almeida Dias, que tinha tudo preparado para festejar o Natal com todos os amigos que ainda se encontravam em Nova Lisboa. O Almeida Campos já partira, pelo que a messe perdeu a sua liderança e foi assim o médico Almeida Dias e a esposa que tomaram a iniciativa desta organização natalicia que incluía rabanadas, doces para todos os gostos, enfim, todo um repasto notável a condizer com a data. Além dos Mendonças, estavam naturalmente os vizinhos Jasé Bastos, o Champas, o Fernando Peyroteo, 0 Joáo Sousa, um bancário de pêra muito simpático, o casal Simóes de Abreu e ocunhado do dono da casa, Dr. António Freitas de Oliveira, médico cirurgião afamado e a Dra. Lígia, sua mulher.
O almoço ligou-se ao jantar, formando-se de permeio alguns grupos que jogaram as cartas ou ouviam música e assim continuaram até perto das duas da manhá.
Já era tarde de mais para tomar a decisão de voltar ao hotel sem água ou à casa que me foi oferecida, sem móveis, sem luze sei lá que menos. Fiquei com o quarto vago do Almeida Campos, e tão bem me senti que antes de adormecer agradeci ao Pai Natal estar vivo e ainda receber um presente inesperado.
Extratos do livro OS MEUS DIAS DE INDEPENDÊNCIA
Páginas 93, 94 e 95
De ONOFRE DOS SANTOS
Texto extraído e editado por Eduardo Cussendala
Sobre o autor;
Onofre Santos nasceu em Luanda, Angola, e viveu intensamente o período de transição de uma Angola colonial para o país independente que é hoje. Após os Acordos de Paz de 1991, regressou a Angola, onde assumiu o cargo de diretor-geral das Eleições em 1992. Entre 2008 e 2017, exerceu funções como juiz-conselheiro jubilado do Tribunal Constitucional de Angola.
Além da sua carreira jurídica e cívica, destacou-se como escritor, tendo publicado diversos livros de contos e histórias curtas, como O Conto da Sereia, O Astrónomo de Herodes, O Gosto Amargo do Quinino e Memórias de um Dark Horse. É ainda autor do romance histórico Descompasso – Angola 1962.
Pela Guerra e Paz, publicou Lenguluka – Crónica de um Amor a Grande Velocidade, Os Meus Dias da Independência, Vida e Morte do Comandante Raul Morales e O Peixinho que Não Sabia Nadar.