11/11/2025
𝐀 𝐇𝐈𝐒𝐓𝐎𝐑𝐈𝐀 𝐃𝐎 𝐌𝐀𝐓𝐄𝐔𝐒 -
𝐎 𝐌𝐄𝐍𝐈𝐍𝐎 𝐃𝐎 𝐒𝐀𝐂𝐎 𝐀𝐌𝐀𝐑𝐄𝐋𝐎
CAPÍTULO 2 - O SEGUNDO DIA DA FEIRA DAS COMUNIDADES
O sol nascia lento sobre o Lubango, tingindo os telhados e as montanhas de um tom alaranjado e triste. No jardim em frente à Sé Catedral, três pequenos vultos despertavam do frio da madrugada. As folhas secas faziam-lhes de cobertor, e o cimento gelado era o colchão de todas as noites. Ali dormiam Mateus, Pedro e Julho — três meninos de rua, três destinos amarrados pela pobreza e pelo abandono.
O jardim era o abrigo e a prisão. À noite, servia-lhes de casa; de dia, de ponto de partida para pedir, vasculhar contentores e sobreviver do que a cidade lhes deixava.
Mateus, o mais novo, ainda guardava no coração o brilho de uma esperança teimosa. Desde o primeiro dia da Feira das Comunidades, algo dentro dele se acendera — um sonho de pertencimento, um eco de África que o chamava.
Enquanto remexiam nos s**os de plástico à procura de restos de pão, ele começou a falar:
— Ontem fui lá no ISCED… havia festa, batuque, moamba, gente bonita... era o Dia de África. Vi mulheres com panos coloridos e ouvi danças de todas as províncias. Foi lindo…
Pedro, recostado a uma árvore, abriu os olhos meio desconfiado e murmurou: — Estás a mentir, Mateus. Nós aqui, sem nada pra comer, e tu a dizer que foste a uma festa?
Julho, mais calado, apenas observava. O vento soprava frio, levando o pó e as palavras. Mateus insistiu, com o olhar aceso: — Eu vi, Pedro. Vi mesmo! Tinham comida, música, e as pessoas estavam felizes.
Pedro levantou-se, sacudindo a poeira da roupa rasgada, e respondeu com ironia: — Se é verdade, amanhã vamos lá. Se encontrarmos o que disseste, traremos algo pra vender… bidons, latas, qualquer coisa.
Julho sorriu pela primeira vez. — Amanhã, então.
Na manhã seguinte, os três levantaram-se cedo. O sol ainda se escondia atrás das montanhas, e já caminhavam pelo asfalto frio da Marginal do Lubango, com o s**o amarelo de Mateus balançando ao ombro. Iam descalços, rindo e tropeçando, como quem caminha entre a miséria e o sonho. O destino era o ISCED-Huíla — a “terra dos grandes”, como diziam.
Mateus guiava-os, com o peito cheio de orgulho. — É por aqui. Vão ver… hoje vai ser mais bonito ainda!
Quando chegaram, o pátio da instituição parecia um mosaico de África. Dezoito grupos representavam as dezoito províncias do país — cada um com a sua cor, a sua dança, o seu cheiro.
O som dos batuques vibrava no chão, o cheiro de funge e calulu misturava-se ao riso e ao calor das pessoas. As tendas coloridas pareciam flores desabrochadas no cimento.
Pedro e Julho ficaram imóveis, boquiabertos. Nunca tinham visto tamanha beleza.
Mas, ao se aproximarem do muro pequeno do pátio, perceberam que não poderiam entrar imediatamente.
— Vamos ficar aqui, só de fora mesmo — disse Mateus.
— Mesmo assim, dá pra ouvir tudo… e sentir também — completou Julho.
Ficaram observando do pequeno muro, os olhos brilhando. Cada batida de tambor fazia vibrar algo dentro deles — uma lembrança, talvez, de um lar perdido, ou o sonho de um futuro improvável.
Pedro, o mais velho, murmurou com resignação: — Nós somos meninos de rua. Pra estar ali paga-se, entra-se com roupa bonita… e nós não temos isso. Não temos pais ricos.
Mateus olhou-o em silêncio, os olhos marejados. Depois sorriu, tímido, e respondeu: — Mas um dia, Pedro… um dia a gente vai estudar ali também. Vais ver.
Pedro desviou o olhar, tentando esconder as lágrimas. Julho, o mais pequeno, abraçou Mateus e disse: — Um dia é um dia.
CONTINUA....
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