
30/06/2025
ENTRE O ETERNO E O EFÊMERO
Dia #27 30.06.2025
“Segunda-feira em Luanda: Entre buzinas, bananas e existencialismo”
Ah, Luanda... essa dama quente, de corpo poeirento e alma barulhenta, vestida de amarelo pálido pelo sol das 17h23. É segunda-feira, esse dia que nem o mais optimista dos candongueiros consegue gostar. O céu começa a corar, como quem sente vergonha por testemunhar, mais uma vez, o festival de caos organizado que é o fim de tarde na capital.
Na estrada da Mutamba, parada que nem fila para levantar salário no banco, um senhor magro, de boné encardido e expressão já derrotada, luta com o volante do seu Toyota cor de ferrugem. A buzina, coitada, já não grita, chora. Cada “pêêê” é uma súplica existencial: “Porquê eu, meu Deus? Porquê sempre na segunda?”
Do outro lado, uma zungueira avança no meio dos carros como quem navega entre tubarões. Na cabeça, uma bacia de bananas; nos olhos, a certeza de quem viu mais vida que muitos chefes de gabinete. “Olha banana doce” — diz com voz que mistura esperança e cansaço. E ali, naquela banana, há mais dignidade do que em muito discurso ministerial.
Se o Kant tivesse nascido em Luanda, o seu grande tratado chamava-se “Crítica da Razão de Quem Está no Engarrafamento Desde as Quatro e Meia”, volume I: “Porque o táxi parou no meio da via para deixar um passageiro que ainda nem sabe se vai ou fica.”
No interior de um Hiace superlotado, três adultos e uma criança partilham dois bancos e uma brisa de suor colectivo. Um jovem com camisola da Juventus ouve Kuduro como se fosse Chopin. A senhora ao lado resmunga com a vida é que a vida, coitada, nem responde. O p**o, colado ao vidro, olha tudo como se já soubesse que em Luanda o que não mata... atrasa.
No meio do trânsito, surgem os vendedores de improviso: vendem carregadores, pastéis oleosos, laranjas em sacos de supermercado e uma água cuja temperatura rivaliza com a febre da malária. Há também um jovem com dreadlocks e uma t-shirt a dizer “Deus no comando”, que vende doces e filosofia barata: “Mano, quem não hustla, não come.”
O céu escurece devagar, cúmplice. Com a escuridão, vêm os buracos invisíveis, as luzes dos carros a piscar sem nexo e aquele sentimento estranho de que, por mais doida que Luanda seja, a gente acaba sempre por lhe perdoar. Talvez seja a batucada dos pregões, o cheiro de frango assado com jindungo ou o riso das crianças na beira da estrada.
E assim se fecha mais uma segunda-feira. Em Lisboa, Paris ou Map**o, pode-se pensar que o mundo gira ordenado. Mas em Luanda, o mundo rebola aos trambolhões, com muito barulho e algum troco mal contado.
No fim, todos chegam em casa suados, cansados e ainda com fome. Mas vivos, e isso, por aqui, já é quase uma vitória olímpica.
Por: Chico