17/07/2025
AS CONTAS BARALHADAS DO MESTRE DO XADREZ
Nos últimos tempos, muito se tem falado sobre possíveis candidatos à liderança do MPLA, num contexto em que o partido parece atravessar um momento de reposicionamento interno e reavaliação do seu projeto histórico. Este artigo propõe-se a identificar e interpretar, com base em fontes públicas, os nomes mais ativos no espaço político angolano, que podem estar a movimentar-se com vista à sucessão partidária.
1. Carlos Feijó (CF) e o Reposicionamento Público
A recente aparição de Carlos Feijó ao lado do ex-vice-presidente Bornito de Sousa, evocando uma conversa com o ex-presidente José Eduardo dos Santos (JES) sobre a Constituição de 2010, pode ser interpretada como uma tentativa calculada de reposicionar-se como figura fundacional da arquitetura jurídica do Estado angolano moderno.
*Fonte:*
• Constituição da República de Angola (2010): Assembleia Nacional
• Entrevistas de Carlos Feijó ao Jornal de Angola, especialmente em junho de 2012 e março de 2017, onde reafirma o papel da Constituição como garante da estabilidade presidencial.
A afirmação de que a Constituição foi desenhada para o sucessor de JES tem implicações simbólicas e políticas relevantes:
• Demonstra que CF foi confidente próximo de JES;
• Legitimiza sua posição como “herdeiro intelectual” do regime constitucionalista do pós-guerra.
2. A Conferência em Portugal e o Apoio à Troika
Durante uma conferência no ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, em julho de 2025, Carlos Feijó relembrou o papel de Angola no apoio ao governo português durante a crise da Troika (2011–2014). Essa menção não é apenas histórica: visa posicionar-se como estadista com capacidade de articulação macroeconómica, num momento em que Angola busca reposicionar-se externamente.
*Fontes:*
• Vídeo da conferência no canal oficial do ISCTE no YouTube (julho de 2025)
• Cobertura pela imprensa portuguesa: Expresso, 07/07/2025; Observador, 08/07/2025.
Ponto crítico: Carlos Feijó é frequentemente criticado por ter concebido uma constituição que atribui excessiva centralização de poderes ao Presidente da República, limitando a fiscalização parlamentar. Além disso, um alegado conflito institucional entre ele e António Vandunem, então Secretário do Conselho de Ministros, alimentou percepções sobre seu estilo pouco agregador.
*Fonte:*
• Voz da América (VOA), edição de 14/12/2004 — “António Vandunem e Carlos Feijó em rota de colisão institucional”[^2].
3. Fernando da Piedade Dias dos Santos (Nandó) e a Estratégia de CF
Tem circulado a hipótese de uma eventual candidatura de Fernando da Piedade (Nandó), com o possível envolvimento estratégico de Carlos Feijó. Essa informação pode ser interpretada de duas formas:
• Como movimento real de bastidores, visando uma transição pactuada com figuras históricas;
• Ou como narrativa lançada para testar o terreno político e medir reações dentro do MPLA.
*Fontes:*
• Jornal O Crime (edição digital, julho de 2025)
• Fóruns digitais como Club-K .
Ponto crítico: Nandó tem sido associado a empresas como Arosfran e Golfrate, sobre as quais pesam suspeitas — nunca confirmadas judicialmente — de apoio a redes externas de financiamento político.
*Fonte:*
• Club-K.net, “Arosfran e Golfrate: negócios, política e redes externas”, artigo de junho de 2024.
4. Mara Kiosa Baptista (MB) e a Força da Representatividade Feminina
Mara Kiosa Baptista é uma figura jovem e dinâmica que tem ganhado notoriedade por sua presença constante em mercados populares, especialmente através da cobertura da TPA. Sua condição feminina pode ser um fator de mobilização num país em que as mulheres representam a maioria da população.
Ponto crítico: O estilo populista de suas aparições, embora eficaz para criar empatia, pode comprometer a credibilidade institucional de uma eventual candidatura se não for acompanhado de conteúdo programático.
*Fonte:*
• Imagens e transmissões disponíveis nos arquivos da TPA, especialmente nas edições de junho e julho de 2025.
5. A Centralidade de Higino Carneiro (HC)
O general Higino Carneiro foi o primeiro a declarar-se com intenção política explícita dentro do MPLA nos últimos meses. Sua iniciativa antecipada confere-lhe uma vantagem narrativa. Apresenta-se como gestor de obras e político de terreno, com raízes militares e longa experiência administrativa.
*Fonte:*
• Declaração de HC em vídeo (junho de 2025), repercutida pelo Novo Jornal em 22/06/2025.
Ponto crítico: Os investimentos realizados durante seu mandato como Ministro das Obras Públicas (2002–2012) têm sido alvo de escrutínio. Relatórios do Tribunal de Contas de Angola identificaram falhas em processos de execução orçamental.
Fonte:
• Tribunal de Contas de Angola, Relatório de Auditoria de 2019, disponível em www.tcontas.ao
6. Hipótese de Convergência entre CF, HC e Nandó
Não é improvável uma convergência estratégica entre CF, HC e Nandó, que possa garantir uma transição estável no seio do MPLA. Cada um representa uma peça simbólica:
• CF: legalidade e tecnocracia;
• HC: autoridade e pragmatismo;
• Nandó: continuidade institucional.
*O QUE PENSO?*
O momento atual sugere uma disputa multivectorial. A luta pela liderança do MPLA parece desenrolar-se em cinco tabuleiros simultâneos:
• Legal: domínio do discurso constitucional (CF);
• Simbólico: herança dos tempos de JES (Nandó);
• Histórico: quem representa continuidade com os alicerces do partido(HC);
• Diplomático: capacidade de representação internacional (CF);
• De massas: mobilização popular e capilaridade (HC, MB).
Entre reformismo, juventude, academia e equilíbrio… quem estará melhor preparado?
• O reformismo técnico-jurídico de Carlos Feijó tem profundidade institucional, mas sofre com uma imagem pouco conciliadora;
• A juventude simbólica de Mara Baptista carece de estrutura partidária e conteúdo político amadurecido;
• A academia representada por CF e parcialmente por Bornito de Sousa agrega capital intelectual, mas carece de apelo massificado;
• O equilíbrio pragmático e o espírito reformista de Higino Carneiro, mesmo sob críticas, parece reunir hoje o maior nível de aceitação interna — tanto entre veteranos como nas estruturas intermédias do partido.
*Conclusão*
A sucessão no MPLA dependerá menos do brilho individual e mais da capacidade de formar alianças sustentáveis. Porém, se a escolha recair sobre quem está melhor preparado hoje para unificar discurso, partido e base, Higino Carneiro surge como o nome mais viável — não por ser o mais consensual, mas por ser o mais estrategicamente posicionado.
A luta pela liderança do MPLA está a ser disputada em múltiplos tabuleiros: legal, simbólico, histórico, diplomático e popular. Tudo aponta para uma fase de “ensaio estratégico” antes da formalização das candidaturas.
Entretanto, é preciso reconhecer: nem CF nem Nandó nem MKB reúnem, até o momento, o grau de aceitação interna que HC aparenta mobilizar.
Por: Rui Kandove