27/07/2025
QUANDO A VERDADE VEM DA BOCA DE QUEM MENOS ESPERAMOS, AINDA ASSIM CONTINUA A SER VERDADE
Por Luís Carlos Matos
As recentes declarações de André Ventura, deputado português e líder do partido CHEGA, a propósito da visita de João Lourenço, Presidente da República de Angola, provocaram um vendaval de reacções. Chamou-lhe “ditador” e “sanguinário”, acusando-o de reprimir o povo angolano enquanto promove influências em solo português.
Muitos ficaram chocados… não tanto pelo conteúdo das palavras, mas pela origem de quem as disse. A figura de André Ventura levanta resistências legítimas pelo seu historial de confrontos ideológicos e discursos polarizadores. Mas a verdade continua a ser verdade… mesmo quando vem da boca de quem menos esperamos.
Como angolano atento à realidade do meu povo, digo-o com clareza e sem medo: o essencial do que foi dito é partilhado por milhões de angolanos, dentro e fora de Angola. Pessoas que vivem silenciadas, humilhadas, esmagadas por um sistema de governação que se mantém no poder desde 1975 e que aprendeu a perpetuar-se através da repressão e da corrupção. Um regime que não aceita críticas internas, que transforma opositores em inimigos, que controla a imprensa, os tribunais, a economia e até a memória colectiva.
João Lourenço, antes Ministro da Defesa de José Eduardo dos Santos e agora chefe do mesmo sistema, prometeu “mudar o que está mal”. Mas passados anos de mandato, continua a proteger o que está podre, e a castigar o que ousa pensar diferente. Em Angola, existe um verniz democrático: eleições, partidos, parlamento… mas a realidade vivida pelo povo é outra. Vivemos numa pseudo-democracia, onde a liberdade de expressão é frágil, o espaço cívico é vigiado, e os cargos públicos servem frequentemente para enriquecer elites e perpetuar fidelidades.
A corrupção é endémica. A desigualdade é gritante. O país é riquíssimo em recursos, mas a maioria do povo vive na pobreza. Jovens, médicos, professores e engenheiros fogem para sobreviver. As vozes críticas são silenciadas, os protestos são reprimidos, os jornalistas independentes são perseguidos, e a justiça, muitas vezes, serve o poder… em vez de servir o bem comum.
É possível — e necessário — reconhecer a verdade das palavras sem canonizar o mensageiro delas. Porque quando o povo passa fome, quando a dignidade é negociada, quando os jovens desistem de sonhar e quando a esperança é asfixiada pela propaganda… já não se trata apenas de política: trata-se de ética, de futuro e de consciência.
Este não é um texto de apoio ao CHEGA, nem a André Ventura, nem a qualquer actor partidário em Portugal. Este é um grito de lucidez. Porque não se defende um povo com frases feitas… defende-se com justiça, verdade, liberdade e coragem.
Luís Carlos Matos
(Africano-Angolano/Luso-descendente; ex-refugiado de guerra)
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