16/01/2024
(...) As mães gostam de dar aos filhos nomes de fantasia.
Nomes de passageiros, de vagabundos. Tudo começou no princípio. Vieram os árabes. Os negros converteram-se.
E começaram a chamar-se Sofia, Zainabo, Zulfa, Amade, Mussá. E tornaram-se escravos. Vieram os marinheiros da cruz e da espada. Outros negros converteram-se. Começaram a chamar-se José, Francisco, António, Moisés.
Todas as mulheres se chamaram
Marias. E continuaram escravos. Os negros que foram vendidos ficaram a chamar-se Charles, Mary, Georges, Christian, Joseph, Charlotte, Johnson. Batizaram-se.
E continuaram escravos. Um dia virão outros profetas com as bandeiras vermelhas e doutrinas messiânicas. Deificarão o comunismo, Marx, marxismo, Lénin, leninismo. Diabolizarão o capitalismo e o Ocidente. Os negros começarão a chamar-se Iva, Ivanova, Ivanda, Tania, Kasparov, Tereskova, Nadia, Nadioska.
E continuarão escravos. Depois virão pessoas de todo o mundo com dinheiro no bolso para doar aos pobres em nome do desenvolvimento. E os negros chamar-se-ão Soila, Karen, Erica, Tânia, Tatiana, Sheila. Receberão dinheiro
deles e continuarão escravos.
Os aventureiros entrarão e sairão como quem entra no ar e não se molha. Línguas nossas? Aprenderão apenas sons. Nomes? Invocarão alguns. Crenças? Profanarão todas as nossas. Nós aprendemos tudo: árabe, português, francês, inglês, norueguês, russo, alemão e tantas
outras desconhecidas. E continuaremos escravos. Faremos guerras uns contra os outros. Matar-nos-emos. Elegeremos presidentes. Golpearemos presidentes. Mataremos presidentes. Ergueremos bandeiras. Mudaremos bandeiras, hinos e símbolos. E continuaremos escravos.
~Paulina Chiziane em — O Alegre Canto da Perdiz