30/05/2025
DO EGITO A AXUM: A GRANDE JORNADA DAS CIVILIZAÇÕES AFRICANAS NA ANTIGUIDADE
𝗔𝘀 𝗢𝗿𝗶𝗴𝗲𝗻𝘀 𝗠𝗶𝗹𝗲𝗻𝗮𝗿𝗲𝘀 𝗱𝗼 𝗩𝗮𝗹𝗲 𝗱𝗼 𝗡𝗶𝗹𝗼
De acordo com registros arqueológicos, o Vale do Nilo era habitado desde o período Paleolítico, entre 3 milhões e 100 mil anos atrás. Por volta do 7º milênio a.EC, práticas agrícolas e de pastoreio já se desenvolviam no delta do Nilo, expandindo-se gradualmente para o sul ao longo das margens do rio.
Com o avanço da desertificação do Saara a partir do 5º milênio a.EC, povos nômades e seminômades oriundos do norte de África e do Oriente Médio migraram para as margens do Nilo em busca de sobrevivência. Esses grupos se integraram às populações locais, formando aldeias no Alto (sul) e Baixo (norte) Nilo. Posteriormente, tais aldeias deram origem a pequenas cidades independentes.
Ao longo do tempo, uma identidade cultural comum emergiu entre essas comunidades, impulsionada pelas origens compartilhadas e pelas trocas comerciais. Esse processo culminou na unificação política da região do Baixo Nilo por volta de 3100 a.EC, sob a liderança do rei Menés, considerado o primeiro faraó do Egito unificado.
𝗡𝘂́𝗯𝗶𝗮: 𝗔 𝗖𝗶𝘃𝗶𝗹𝗶𝘇𝗮𝗰̧𝗮̃𝗼 𝗜𝗿𝗺𝗮̃ 𝗮𝗼 𝗦𝘂𝗹 𝗱𝗼 𝗘𝗴𝗶𝘁𝗼
Enquanto o Egito consolidava sua estrutura faraônica ao norte, ao sul florescia a civilização núbia, formada por reinos independentes. A fronteira entre os dois povos localizava-se próximo à primeira catarata do Nilo, e a cidade de Siene (atual Assuã) destacava-se como importante centro comercial.
Os núbios praticavam agricultura e pastoreio, destacando-se na produção de cerâmica refinada. Suas riquezas ouro, ébano e marfim despertaram o interesse egípcio, resultando em constantes conflitos. Já na 1ª dinastia egípcia, há registros de guerras contra os núbios, o que demonstra que estes também apresentavam resistência e ofensiva militar contra o Egito.
Durante a 18ª dinastia egípcia (século 15 a.EC), a Núbia foi ocupada e transformada em vice-reinado egípcio. A cultura núbia passou, então, a ser fortemente influenciada: deuses, costumes e a escrita hieroglífica egípcia foram impostos à região.
𝗢 𝗥𝗲𝗶𝗻𝗼 𝗱𝗲 𝗞𝘂𝘀𝗵: 𝗗𝗼 𝗗𝗼𝗺𝗶́𝗻𝗶𝗼 𝗮̀ 𝗦𝘂𝗽𝗿𝗲𝗺𝗮𝗰𝗶𝗮
Dentre os reinos núbios, o mais notável foi o de Kush (ou Cuxe). Embora sua origem seja incerta, registros egípcios já o mencionam no século 20 a.EC. A primeira capital foi Kerma, próximo à terceira catarata do Nilo, mas mais tarde a capital foi transferida para Napata, próximo à quarta catarata medida estratégica para afastar-se da ameaça egípcia.
Em um giro inesperado da história, por volta de 713 a.EC, o rei kush*ta Shabaka invadiu o Egito e estabeleceu a 25ª dinastia, com base na fraqueza egípcia devido a conflitos internos. O Antigo Testamento menciona esses poderosos guerreiros negros em diversos trechos.
No entanto, a expansão do império kush*ta pelo delta do Nilo os colocou em confronto com o império assírio. Embora o rei Assaradão tenha sido derrotado, seu sucessor Assurbanipal conseguiu conquistar o delta em 663 a.EC, forçando a retirada dos kush*tas para o sul.
A nova capital, Meroé, fundada no século 6 a.EC, situava-se ainda mais ao sul. Tornou-se um próspero entreposto comercial entre o interior da África e o mar Vermelho, e centro da metalurgia do ferro tecnologia na qual os africanos eram altamente especializados, a ponto de terem ensinado os portugueses no século 15 d.EC técnicas avançadas de fundição.
Mesmo após sucessivas conquistas do Egito (por assírios, persas, macedônicos e romanos), o Reino de Kush, também conhecido como Reino Meroíta, permaneceu independente por mais de 800 anos, dominando importantes rotas comerciais e mantendo relações diplomáticas com os faraós ptolomaicos.
𝗢 𝗗𝗲𝗰𝗹𝗶́𝗻𝗶𝗼 𝗱𝗲 𝗠𝗲𝗿𝗼𝗲́ 𝗲 𝗮 𝗔𝘀𝗰𝗲𝗻𝘀𝗮̃𝗼 𝗱𝗲 𝗔𝘅𝘂𝗺
Com a conquista romana do Egito e o bloqueio comercial imposto ao reino de Kush, Meroé enfrentou uma longa crise econômica. Enfraquecida, foi conquistada no século 4 d.EC pelos axumitas — povos originários da Península Somali, no atual território da Etiópia e Eritreia.
𝗔𝘅𝘂𝗺: 𝗢 𝗜𝗺𝗽𝗲́𝗿𝗶𝗼 𝗖𝗿𝗶𝘀𝘁𝗮̃𝗼 𝗲 𝗮 𝗿𝗲𝘀𝗶𝘀𝘁𝗲̂𝗻𝗰𝗶𝗮 𝗰𝗼𝗹𝗼𝗻𝗶𝗮𝗹
O Reino de Axum floresceu na região onde hoje se localiza a Etiópia. Segundo a tradição, teria sido fundado por Menelik, filho do rei Salomão com a rainha de Sabá, conforme relato do Antigo Testamento. Embora lendária, essa narrativa moldou a identidade axumita por séculos.
Axum estabeleceu-se às margens do rio Atbara e era habitada por populações locais e migrantes oriundos da Arábia (antes do século 6 a.EC). Já no século 3 a.EC, os kush*tas mantinham comércio com Axum, cuja importância comercial se consolidou com o porto de Adulis, no mar Vermelho.
Entre os séculos 1 e 4 d.EC, Axum tornou-se uma das mais ricas e influentes potências do continente, controlando rotas comerciais e militares no mar Vermelho. Desenvolveram uma escrita própria — o gueze ou geês — e, graças à diplomacia, muitos dos seus textos foram preservados em grego.
Em 335 d.EC, os axumitas destruíram Meroé, encerrando o Reino de Kush e difundindo a cultura kush*ta em direção ao oeste (até o atual Chade). Posteriormente, Axum tornou-se um dos primeiros reinos cristãos do mundo, graças à influência copta egípcia.
Com a expansão do Islã no século 7, Axum perdeu seu protagonismo econômico e político, mas sua identidade cristã persistiu. Durante a expansão marítima portuguesa (século 15), muitos exploradores buscavam encontrar o mítico “Reino do Prestes João”, identificado por muitos como o antigo reino de Axum.
Séculos depois, no contexto do neocolonialismo europeu do século 19, enquanto grande parte do continente africano foi repartido entre potências imperialistas, a Etiópia destacou-se como um dos poucos reinos que preservaram sua soberania. Compreender e valorizar a história etíope é, portanto, essencial para a construção de uma visão mais ampla e justa da trajetória da humanidade.
𝗥𝗲𝗳𝗲𝗿𝗲̂𝗻𝗰𝗶𝗮𝘀 𝗕𝗶𝗯𝗹𝗶𝗼𝗴𝗿𝗮́𝗳𝗶𝗰𝗮𝘀
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