01/06/2025
Enquanto eu não tinha mais do que uma cama e alguns livros, eu era livre — e feliz.
Mas bastou adquirir nove galinhas e um galo para minha alma ser corrompida. A propriedade me deformou. Tornou-me cruel.
Para cada nova galinha que comprava, amarrava-a por dois dias a uma árvore. Era meu método brutal de apagar da memória frágil do animal qualquer vestígio de afeto pelo antigo lar.
Remendei cercas, levantei barreiras, erigi muros não apenas contra as raposas — de quatro ou de duas patas — mas contra a própria ideia de vizinhança.
Tracei uma linha entre mim e o outro. Uma linha invisível, mas carregada de veneno.
Dividi o mundo: de um lado, eu — proprietário. Do outro, os que podiam me roubar. Inventei o crime. E com ele, nasceu em mim o medo.
Passei a lançar sobre o mundo um olhar hostil. O vizinho, antes indiferente, tornou-se ameaça.
Seu galo — mais velho, mais viril — pulou a cerca e roubou minhas galinhas. Atirei pedras. Reivindiquei os ovos.
Ele me odiou. Eu retribuí. Seus olhos agora espreitam a cerca como os meus: cheios de desconfiança.
Suas galinhas cruzaram a fronteira e devoraram o milho dos meus. Enfurecido, matei uma. Ele não aceitou dinheiro.
Retirou o cadáver como se fosse um mártir. Exibiu-o aos amigos. E o que era um desentendimento virou lenda: eu, o brutal.
Aumentei as cercas. Redobrei a vigilância.
O vizinho tem um cão. Eu, em breve, terei um revólver.
Onde está a paz de antes? Onde está aquele homem que lia, sonhava e dormia em silêncio?
A propriedade me envenenou.
Já não sou apenas um ser humano.
Sou um dono.
E o mal tomou conta de mim.
("Galinhas", do anarquista Rafael Barrett, Paraguai, 1910.)