11/07/2025
📝 Coluna Memórias e Histórias
Clássico Gordos x Magros: a pelada mais democrática e suculenta da história de Braga
Ah, o futebol... esse mistério nacional que faz corações dispararem emocionados, acelerados e cheios de esperança. E quando se fala de paixão pela bola no nosso glorioso chão gaúcho, o município de Braga dá uma aula – com direito a churrasco, rivalidade e muito debate sobre IMC (Índice de Massa Corpórea).
Vamos abrir o baú da nostalgia e voltar aos anos dourados de 1960 e 1970, quando Braga começava a se firmar como município, mas já mostrava ao mundo que ali se fazia futebol de verdade – com carne no espeto, suor na testa e gelo com serragem para manter as bebidas geladas.
Entre as glórias do passado, um evento merecia (e ainda merece) estátua em praça pública: o tradicionalíssimo clássico Gordos x Magros, promovido religiosamente todo 1º de janeiro pelo Grêmio Esportivo e Recreativo Gaúcho. Nada de Messi ou Cristiano Ronaldo – o que o povo queria mesmo ver era o Luiz Gordo encarando o Adelarmo Nunes ou o goleiro "Teixerinha" voando (ou tropeçando) entre as traves, entre outras disputas individuais.
🔥 Gordos x Magros: mais que um jogo, um ritual
A definição de quem era “gordo” ou “magro” não era tarefa simples. Nada de balança eletrônica – o negócio era no olho e no palpite. Debates acalorados começavam dias antes, com direito a “conclave” matinal no dia do jogo. Tudo decidido democraticamente, como manda o bom espírito braguense: na base da conversa e do bom senso comunitário (ou da pilha dos amigos).
E quem estava em dia com a mensalidade do clube? Ah, esse era um felizardo: garantia “um espeto com dois quilos de carne”, devidamente assado e servido no melhor estilo campeiro. E não era qualquer churrasco, não, senhor.
🥩 Churrasco de responsa, com selo Capellari, Venso e Iora de qualidade
A carne era temperada na casa do lendário Orestes Capellari – sim, o mesmo que dava nome ao “matadouro”, lugar nobre onde a carne era preparada com salmoura e armazenada em pipas. Na alvorada do grande dia, o cortejo cárneo partia até o campo do Gaúcho, conduzido quase como um santo padroeiro da barriga cheia.
Os mestres assadores – Orestes Capellari, Baldoíno Venso e João Iora – eram praticamente xamãs do espeto, preparando a carne em covas escavadas no chão. Lenha de primeira, pitangueiras virando espetos e o aroma invadindo a cidade inteira.
As bebidas? Um espetáculo à parte. Eram armazenadas em cochos com gelo e serragem – técnica ancestral que desafiava as leis da física e garantia cerveja gelada no calorão. No fim da festa, os restos de gelo viravam brinquedo de criança: bastava jogar atrás da copa e pronto, estava formada a “guerra do gelo”, com brigas memoráveis pela última lasca.
🏆 Escalação de respeito (e de saudade)
O time dos Gordos era só estrela: Luiz Gordo, Irineu Lenz (o famoso “Alemão do Sabino”), Honório Cardoso, o famoso Tamanduá, o muralha Teixerinha, Bibe, Arnaldo Souza, Anísio Porto Farias, o lendário Pala Véio, entre outros que minha memória não consegue recordar.
Aliás, falando em Pala Véio, em torno dele a equipe dos Gordos articulava todas as jogadas de ataque. Porém, como ele atuava em duas funções (participava do jogo e depois tocava como gaiteiro da festa), sempre avisava os companheiros naquela sua maneira peculiar:
“Oia, índio véio, eu jogo, mas se a bola quizé, que ela venha em mim... eu não vou tá correndo atrás dela.”
Do outro lado, defendendo as cores dos Magros, desfilavam nomes de peso (ou melhor, de leveza): o saudoso Adelarmo Nunes, o fotógrafo Dermival Batista, o Professor José, Tito Schawinski, Pedro Puruca, José Venso, Leopoldo Cezimbra, Ede Moura, o primeiro prefeito eleito de Braga, senhor Mário Lorenzon, João Iora, Valfrides Diniz, Luis Zanberlan, Seu Natito, Ricieri e Albano Formentini e o jovem recém-chegado a Braga, Toni Baldo – além de outros que no momento também não consigo recordar. Outro destaque era o treinador dos Magros: o jovem talentoso e de visão de futuro Ademar Andolhe.
🥅 Placar? Isso nunca importou
Ninguém se lembra do placar. E com razão. O que valia ali era a festa, o reencontro, o cheiro da lenha, o gosto da carne e a união de um povo que sempre soube rir, jogar e se reunir como uma grande família. Era futebol na sua essência: sem VAR, sem briga na arquibancada, sem rede social para reclamar do juiz.
Hoje, muito daquilo virou memória – mas que memória! Que herança dos nossos antepassados, que sabiam que o importante não era ser gordo ou magro, mas fazer parte da história de um povo que amava o que fazia, dentro e fora das quatro linhas.
E se existe algo mais difícil de explicar que o futebol, talvez seja o coração do braguense — um coração que bate no ritmo da gaita do Pala Véio, no cheiro da lenha, e no eco de um tempo em que ser feliz era só botar a chuteira, chamar os amigos e preparar o espeto.
Por Marcos Aurélio Nunes
Foto cedida por Afonso Venso