29/07/2025
Quando eu era criança, em Brasília, havia um jornal policial impresso, distribuído na Rodoviária do Plano Piloto. O jornal era conhecido por veicular matérias violentas, com fotos de corpos, sangue... O comentário na cidade era: “Se espremer esse jornal, pinga sangue”.
Hoje me deparei com uma matéria do jornal Metrópoles que questionava o amor de uma família por um pai. Um pai que está há mais de oito anos acamado em decorrência de um grave AVC. Um pai cujo filho assumiu a responsabilidade de cuidar da família, como qualquer filho que ama de verdade faria diante de uma situação tão difícil. Um filho que, com o fruto do seu trabalho, ajuda a levar o pão de cada dia para casa e contribui para custear o caríssimo tratamento do pai.
Esse mesmo pai conta com o apoio e a dedicação incondicional de sua filha, que está sempre ao seu lado e também contribui com a família, por exemplo, cuidando da loja oficial que vende os produtos da marca do pai. Um pai que tem ao seu lado uma companheira que jamais lhe soltou a mão. E que hoje, quase sem lágrimas, lamenta o grave acidente que atingiu seu companheiro de vida.
Como mensurar a dor dessa família? É moral julgar o quanto uma família ama seu patriarca? Vale tudo para gerar acessos a uma matéria, cliques em um link e likes em uma publicação? Vale se despir de respeito, ética e valores?
“Notícia boa não vende”, dizem. Mas então vale insinuar que um filho não se importa com seu pai? Quando foi que começamos a normalizar esse tipo de “conteúdo”?
Essas foram as perguntas que me fiz ao ler a matéria. É difícil compreender tamanha falta de sensibilidade. Imagine a dor de um familiar ao ler esse texto. Depois de oito anos sofrendo ao lado de um ente querido, lamentando profundamente sua ausência e buscando forças para suportar o baque que a vida lhes impôs, ainda precisam lidar com esse tipo de insinuação e julgamento que colocam em dúvida o amor que sentem por ele.
Tudo isso em troca de um clique? De um like? Hoje, se espremer, não pinga mais sangue. Pinga a falta de sensibilidade, ética, respeito e amor ao próximo.
Esse pai se chama Arlindo Cruz, o maior sambista que o samba já teve.