08/09/2025
Conheça a trajetória de pessoas que foram fundamentais para o desenvolvimento de Carlos Barbosa em uma série de reportagens exclusivas do Jornal Contexto.
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SÉRGIO LORENZON
O queijo como história de uma tradição familiar
Texto e foto: Vinícius Mieznikowski
Sérgio Lorenzon tem 62 anos e uma vida dedicada e conectada com a história do leite e do queijo em Carlos Barbosa. Sérgio é o atual mantenedor de uma tradição que atravessa seis gerações, desde os primeiros imigrantes italianos até os dias atuais, com a Queijaria Beija-Flor. Na paisagem montanhosa da Linha Vitória, no interior de Carlos Barbosa, a história da família Lorenzon se confunde com a produção de leite e queijo.
Com memória afiada e fala tranquila, Sérgio é o quinto filho de sete irmãos: Agenor, Claimar, Justina, Rui, César e Rogério. De todos os irmãos, Sérgio foi o único que permaneceu na atividade leiteira e na produção de queijo. “Todos eles passaram pela agricultura”, contou.
Os avós maternos de Sérgio, Antônio Bortolini e Rosa Bortolotto Bortolini, fazem parte dessa história que ele guarda com orgulho. “Bortolotto era uma raiz da Linha Brasília. Então, todos esses Bortolotto que têm em Barbosa são dessa raiz ali ainda”, explica. Do lado paterno, os avós Ambrósio Lorenzon e Ângela Augusta Carrer Lorenzon foram figuras fundamentais. Ambrósio começou e manteve viva a tradição queijeira da família ainda em Arcoverde, onde viveu por um determinado período. “Ali diziam que existia uma queijaria. E ele foi para lá porque aqui sempre faziam queijo. O meu bisavô ajuntava o leite de toda a vizinhança, daqui até Santo Antônio e proximidades.” O bisavô Giacinto Lorenzon, nascido em 1881 na localidade da família, era filho de Giovanni Lorenzon, que veio para o Brasil em 1880 e tinha como origem a região de Frontolo, na Itália.
A convivência com a avó materna marcou a infância de Sérgio. “Já a minha nona, por parte de mãe, eu conheci, porque era vizinha aqui, Bortolini, e eu convivi muitos anos com ela. Eu ia levar a puína para ela, a gente trocava o pão. Às vezes, faltava pão, então eu ia lá na nona buscar.” Essa rotina simples, porém rica em signif**ados, revela os laços comunitários e os valores transmitidos entre gerações.
Desde cedo, Sérgio aprendeu o valor do trabalho. Aos 10 anos, já ajudava o pai, Luiz Lorenzon, nas tarefas rurais. “Desde os 10 anos a gente já trabalhava. A disciplina e o respeito à autoridade faziam parte da cultura da época: “Naqueles tempos, se apanhava, assim, chegava de noite, quem tinha aprontado levava umas ‘vimada’.”
A educação formal de Sérgio começou na Escola Municipal Armando Peter Longo, localizada próxima de sua casa. Lá, estudou até a sexta série. “Então, nós tínhamos a escola logo acima da nossa casa, que hoje não existe mais. Fizemos até a sexta série aqui.” Em seguida, cursou a sétima e a oitava séries no Colégio Santo Antônio, dos Irmãos Maristas, em Garibaldi. “Era bastante rígido. Os irmãos cuidavam até se a gente sentava nos parapeitos no recreio.”
Aos 15 anos numa conversa com um colega da escola despertou o interesse de Sérgio por um curso técnico agrícola. Ao saber da existência da Escola Técnica de Agricultura em Viamão, ele não teve dúvidas. “Eu peguei uma paixão. Vim pra casa e disse pra mãe: eu só vou estudar se me deixarem ir lá.” Entre 1978 e 1980, cursou o ensino médio técnico, onde estudou zootecnia, bovinocultura e outras práticas do campo. “O que fez a minha vocação foi aquela escola ali. Por duas coisas: uma, a gente aprende a viver; e outra, porque a gente aprende a amar o que faz.”
De volta à propriedade, passou a trabalhar ao lado do pai na produção leiteira. “Voltei pra casa porque a maioria dos meus irmãos já estavam trabalhando por conta. Sobrou só eu, o meu irmão Rui e o pai. Nós estávamos tocando aqui a leiteria.” Embora o pai não tenha retomado a produção de queijo artesanal, manteve a prática para consumo próprio.
O ano de 2000 marcou a retomada da produção queijeira na família Lorenzon. A iniciativa surgiu da sogra de Sérgio, que repassou os clientes para a filha, Odete Schabat, esposa de Sérgio. “Ela passou para a minha esposa, que era filha dela, e disse: olha, se vocês fazem um queijo, tem os clientes ali.” A partir daí, a produção começou de forma tímida, mas logo encontrou seu caminho.
“Começamos a fazer desse jeito. Eu deixava o dinheiro para ela. Só que passaram uns dois anos e eu vi que ela f**ava mais forte do que eu. Ela ganhava bem com o queijinho e as gurizadas iam crescendo, e sobrava mais tempo. E daí percebi que ela tinha uma mão cheia para fazer queijo.”
De acordo com Sérgio, o conhecimento mais técnico para fazer o queijo, veio com Armindo Chies, um dos primeiros produtores de queijo da Cooperativa Santa Clara. “Quem botou nós no queijo mesmo foi o Armindo Chies. Ele saiu por todo o estado para divulgar como se faz queijo. A gente fez o queijo como ele ensinou.”
A partir dessa base, nasceu a Queijaria Beija-Flor, cujo nome resgata um rótulo antigo criado pelo avô. “A gente não sabe por que botaram Beija-Flor, mas, enfim, nós resgatamos essa história, mantendo o mesmo rótulo de 1927”, completou
Atualmente, a produção se concentra em dois tipos: o queijo colonial e o queijo coalho. “O queijo colonial é um queijo suave, macio, com sabor natural e característico da colônia.” Já o coalho é voltado para restaurantes. “O restaurante quer um queijo que fique que nem a polenta: bota na chapa e ele f**a intacto.”
Com produção anual de 24 a 25 toneladas, a queijaria atende clientes diretamente, sem depender de mercados. “Nós não fazemos entrega em mercado. Todos os dias vem gente aqui buscar. E na quinta-feira de manhã, o Gabriel dá uma rodada na cidade.”
Gabriel, filho de Sérgio, hoje comanda a queijaria ao lado do pai. Junto com eles, também trabalha o jovem Jorge Mânica, de 19 anos.
O plantel de vacas na propriedade conta com cerca de 75, sendo 34 em lactação. A raça utilizada é a sueca vermelha. “Ela tem bastante sólidos. Com menos de 7 litros, nós fazemos 1 quilo. Já a holandesa precisa de 12, 13 litros.”
A qualidade do produto levou ao reconhecimento nacional. Em 2023, o queijo Beija-Flor ficou entre os cinco melhores do Brasil em um concurso nacional de queijos artesanais. “Nós estamos entre os cinco melhores queijos do Brasil, do nosso tamanho.”
A história de Sérgio também acompanha a de Carlos Barbosa. “Eu acho que Carlos Barbosa começou agrícola. Nos anos 80, Barbosa foi uma das maiores produtoras de batata. E o leite, nem se fala. Todas as famílias aqui na Linha Vitória vendiam leite. Era a subsistência.”
Sua família também teve papel relevante na história da Cooperativa Santa Clara. “Meu pai foi conselheiro da Santa Clara durante 10 anos. Teve épocas em que a Santa Clara estava em crise, e sorte que se reuniram vários produtores mais fortes e conseguiram reerguê-la.”
A vida pessoal foi marcada pela parceria com Odete Schabat, sua esposa, que faleceu por questões de saúde. “Ela sabia fazer o queijo. Eu era o ajudante, o auxiliar dela. E ela estimulou bastante o Gabriel e eu a seguirmos.” Juntos, tiveram dois filhos: Natália, que mora na cidade, e Gabriel, seu companheiro de trabalho no dia a dia.
A essência do queijo Beija-Flor está nas práticas herdadas dos antepassados. “O que a gente quis segurar mesmo é a essência de como fazer o queijo, que ainda é dos nossos avós. Que põe o sal na massa. Hoje, a indústria põe o queijo dentro de uma salmoura. Já nós ainda colocamos o sal na massa. E muda. Muda o sabor, muda.”
O futuro da Queijaria Beija-Flor segue nas mãos da nova geração, mas sustentado pelos valores plantados: “A gente não precisa crescer mais, só precisamos fazer bem feito aquilo que a gente sabe fazer”, explica Sérgio ao falar sobre o prosseguimento dos trabalhos e também sobre a qualidade dos produtos, que fizeram a fama do queijo na cidade e região.