
21/07/2025
Preta Gil : necessária, imperfeita, insubstituível
Preta Gil acaba de nos deixar. E mais do que o luto por uma artista, o que sentimos é a ausência de uma mulher que foi necessária. Não porque tenha sido a cantora mais técnica de sua geração — e ela mesma nunca fingiu ser —, mas porque foi uma presença viva e corajosa, que desafiava as estruturas.
Filha de Gilberto Gil e Sandra Gadelha, Preta nasceu sob o peso de um sobrenome sagrado na música brasileira. Poderia ter escolhido o caminho fácil, o da neutralidade, o da obediência às expectativas. Mas veio ao mundo com uma missão diferente: desmascarar a hipocrisia social e ser, sem meias-palavras, ela mesma.
Feminista, ativista, sem pudores em se assumir como mulher, mãe, artista, amante, traída e ainda assim inteira, Preta jamais aceitou o papel da mulher "correta", moldada para agradar. Foi rebelde quando precisava ser, provocativa porque o mundo precisava acordar. Posou nua, gorda, bonita, sem filtros, num Brasil que prega autoestima mas a nega todos os dias a quem não cabe nos moldes da passarela.
Ela falava pelas minorias, pelos corpos reais, pelos amores possíveis. Falava por quem, como ela, era muitas vezes vista como “demais”: demais nas curvas, na voz, nas verdades que dizia. E talvez por isso tenha sido tão amada. Porque ser demais, neste país de aparências, é ser perigosa. E Preta era perigosa para o conservadorismo barato, para o moralismo de vitrine, para os que escondem podres sob o tapete da “família tradicional”.
Preta foi a amiga que todo mundo queria ter, a mãe afetuosa, a artista que não fazia questão de perfeição, mas sim de verdade. Foi Preta com P maiúsculo: preta de riso solto, de afeto, de luta. Não sorria para quem não merecia. Não disfarçava o que pensava. E não pediu licença para ser o que era.
Neste país que ainda insiste em fingir pureza, a morte de Preta Gil nos tira uma das poucas figuras públicas que ousavam ser reais. Ela foi necessária. Necessária para tantas mulheres gordas, pretas, livres ou em processo de libertação. Necessária para tantos homens e mulheres que precisavam de alguém que mostrasse que viver com autenticidade é possível — e é potente.
A sua partida precoce dói. Mas que ela siga, agora, leve como merecia. E que nós fiquemos com o legado de sua coragem.
Preta Gil não foi só cantora, filha, esposa ou mãe. Preta foi uma resposta viva a um Brasil que ainda insiste em negar sua própria diversidade. Por isso, mais do que artista: Preta foi manifesto.
Lis Braga