
25/07/2025
Texto: Maria Padilha
Candomblé, ancestralidade e cremação: reflexões a partir da despedida de Preta Gil
O anúncio da cremação do corpo da artista Preta Gil, feito por sua família, trouxe à tona um debate delicado entre adeptos do Candomblé, religião à qual Preta era ligada espiritualmente. A decisão, embora respeite um desejo pessoal da família, causou estranhamento em muitos, já que a cremação não é uma prática comum dentro dos fundamentos tradicionais da religião.
No Candomblé, há uma simbologia profunda em torno do corpo. Ele não é apenas um invólucro da alma: é também morada do axé, da ancestralidade e da energia vital concedida pelos Orixás. Segundo uma tradição contada por muitos babalorixás e ialorixás, como explica o babalorixá Rodney William, há um mito em que Nanã Buruquê entrega a Oxalá o barro da Terra para moldar os corpos humanos. Ao final da vida, esse corpo deve retornar ao seu ponto de origem: à Terra, fechando o ciclo natural e espiritual da existência. Por isso, a cremação, que interrompe esse retorno físico, é vista por muitas casas tradicionais como um rompimento com essa cosmologia.
No entanto, como toda religião ancestral e plural, o Candomblé não é uniforme. Existem diferentes nações, casas e tradições. Em algumas delas, embora a cremação não seja praticada, também não há uma proibição explícita. Cada caso é considerado à luz da espiritualidade e dos caminhos de cada pessoa.
O próprio babalorixá que acompanhava Preta Gil, conhecido como Pai Celinho, afirmou que ela era filha de Oxum, e ainda que não tenha sido formalmente iniciada, isso não diminuía sua conexão com o sagrado. “Ela entra num processo de evolução muito rápido, principalmente por ter sido uma doença terminal. Então, ela está muito bem neste momento”, declarou ele, com sabedoria e acolhimento.
O momento da partida é sempre sagrado. Cabe a nós, filhos da fé, respeitar os caminhos trilhados por cada espírito. Preta Gil foi uma mulher de luz, que se cercou de axé, amor e coragem até seus últimos dias. Que sua travessia seja suave, e que sua memória siga firme na ancestralidade que tanto honrou em vida.