
26/07/2025
Obras paradas, rombo financeiro e R$ 103 milhões em emendas: menor cidade de Roraima vive caos econômico
Parque de vaquejada, escola municipal, posto de saúde, praça, conjunto habitacional e um enorme portal de concreto na entrada da cidade. Essas obras milionárias estão paradas, com atrasos de mais de 2 anos, na menor cidade de Roraima, São Luiz, no Sul do estado. As construções começaram no mandato do ex-prefeito James Batista (SD), que foi cassado pelo TRE, mas recorreu e administrou o município de 2021 a 2024. Na gestão dele, São Luiz recebeu mais de R$ 103 milhões em emendas parlamentares federais e estaduais em quatro anos, alvos de investigação.
Atualmente, de acordo com a atual gestão da prefeitura de São Luiz, o município deve mais de R$ 38 milhões, com dívidas até com funerária, herdadas da administração anterior. O valor representa 74% do orçamento sancionado para 2025 na cidade, de R$ 51,9 milhões.
O g1 procurou o ex-prefeito de São Luiz, James Batista, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.
Diante do rombo nos cofres, o atual prefeito de São Luiz, Chicão (PP), decretou estado de calamidade pública financeira em janeiro deste ano, por seis meses — o decreto é válido até o final de julho.
No entanto, em meio ao decreto, Chicão contratou e fez pagamentos indevidos a empresas de fachada e também passou a ser investigado por desvio de verbas do município. A investigação é do Ministério Público de Contas (MPC). Em julho, o órgão pediu o afastamento imediato dele da prefeitura por desvios de verbas que somam mais de R$ 7,4 milhões. O pedido foi encaminhado ao Tribunal de Contas de Roraima (TCE) e ainda não foi analisado.
🏘️ São Luiz tem 7.315 moradores, segundo o Censo 2022, e é o menos populoso do estado. Para se ter uma noção do rombo nos cofres públicos, é como se cada morador da cidade, incluindo idosos, crianças e bebês recém-nascidos, devesse mais de R$ 5 mil.
💰 O município recebeu cerca de R$ 100 milhões em emendas PIX federais ao longo do último mandato de James, de 2021 até 2024, conforme o portal da transparência da Controladoria-Geral da União (CGU). Além disso, outros R$ 3,5 milhões vieram de emendas estaduais, de acordo com a Assembleia Legislativa de Roraima (Ale-RR). É como se cada morador de São Luiz tivesse ganhado mais de R$ 14 mil em quatro anos, considerando todas as emendas recebidas no período.
Cerca de seis obras iniciadas a partir de 2021 nunca foram concluídas. A que mais chama atenção é o portal de 26 metros na entrada da cidade no valor de R$ 2,16 milhões, que deveria ser entregue em outubro de 2022, mas está parada desde julho de 2024.
Somadas, as construções paradas custam cerca de R$ 36 milhões aos cofres públicos. O g1 visitou São Luiz e conversou com moradores, que chamam as obras de “elefantes brancos”. São elas:
Parque de Vaquejada, no valor de R$ 13,7 milhões, atrasada 2 anos e 4 meses;
Conjunto habitacional com mais de 100 casas, no valor de R$ 12,3 milhões, sem previsão para entrega;
Praça na entrada da cidade, no valor de R$ 6 milhões, atrasada em 11 meses;
Escola municipal, no valor de R$ 2,7 milhões, atrasada em 1 ano e 6 meses;
Portal na entrada da cidade, no valor de R$ 2,16 milhões, atrasada 2 anos e 9 meses,
Unidade Básica de Saúde (UBS), no valor de R$ 1,3 milhões, atrasada em 2 anos e 11 meses.
Além disso, a Ale-RR instaurou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar suspeita de desvios dos R$ 3,5 milhões em duas emendas estaduais no segundo mandato de James.
Chicão decretou a emergência no município 22 dias após ele assumir a gestão. No decreto, citou salários atrasados dos servidores municipais, pendências tributárias e dívidas com empresas terceirizadas.
Em entrevista, o prefeito Chicão afirmou que pretende concluir as obras assim que possível mas que a prioridade é a atual gestão do município. Ele afirmou que o plano para sanar a dívida de São Luiz é seguir recorrendo às emendas parlamentares, pois apenas com a receita da cidade “não é possível continuar”. Não há previsão para quando as obras serão retomadas nem novas datas para entrega.
💸 Emendas investigadas
Nos quatro anos do segundo mandato do ex-prefeito James, de 2021 ao fim de 2024, São Luiz recebeu 41 emendas PIX de deputados federais e senadores. No âmbito estadual, foram duas emendas levantadas pela CPI na Ale-RR.
De acordo com o portal da transparência da CGU, entre os parlamentares federais que mais enviaram dinheiro para São Luiz está o ex-senador Telmário Mota, preso por estuprar a filha e mandar matar a mãe dela, em 2023. Ele mandou ao município R$ 26,8 milhões. A defesa do ex-senador não respondeu até a publicação desta reportagem
🔎 As emendas parlamentares são recursos do orçamento público que deputados e senadores podem direcionar para projetos e ações em estados e municípios. Elas não fazem parte do orçamento do município, portanto, contam como “dinheiro extra”.
💰 E as emendas PIX? Esse tipo de emenda, criado em 2019, ficou conhecido pela dificuldade na fiscalização dos recursos, uma vez que os valores são transferidos por parlamentares diretamente para estados ou municípios sem a necessidade de apresentação de projeto, convênio ou justificativa – por isso, não há como fiscalizar qual função o dinheiro terá na ponta.
Chico Rodrigues (União Brasil) é o parlamentar em atividade que mais enviou recurso ao município no período de tempo que compreende o mandato de James. Foram cinco emendas desde agosto de 2021 ao final de 2024, totalizando R$ 19,2 milhões em recursos. A última enviada foi em julho de 2024, no valor de R$ 6,8 milhões. Chico é o senador flagrado com dinheiro na cueca, em 2020.
Procurado, o senador Chico Rodrigues informou que as emendas enviadas para São Luiz foram para compra de cestas básicas, para a construção das moradias no conjunto habitacional e investimentos em infraestrutura. Disse ainda que a prefeitura de São Luiz é quem deve responder sobre como esses valores foram gastos.
Entre os deputados federais, Nicoletti (União) foi quem mais enviou recursos para o município no período de tempo: um total de R$ 5 milhões em quatro anos.
Por meio de nota, Nicoletti informou que as quatro emendas foram enviadas para: infraestrutura urbana (pavimentação, calçamento, sinalização viária), reforma e ampliação da UBS e para compra de equipamentos de informática, aparelhos médicos, raio-x odontológico, entre outros equipamentos médicos.
O senador Mecias de Jesus (Republicanos) enviou duas emendas à cidade, totalizando R$ 3 milhões em recursos extras. O parlamentar informou que R$ 2,6 milhões foram para o fortalecimento da área social do município, “mas mais da metade desse valor não foi empenhado”.
O deputado federal Gabriel Mota (Republicanos) enviou uma emenda no valor de R$ 3 milhões. Em nota, informou que foi destinada para “recapeamento asfáltico”.
💸 Emendas estaduais
A CPI que investiga suspeita de desvios de emendas estaduais em São Luiz encontrou irregularidades em dois repasses feitos em fevereiro de 2024. De acordo com o deputado estadual, Jorge Everton (União), relator da comissão, elas foram sacadas e transferidas para conta de recursos próprios da prefeitura da cidade sem autorização. São elas:
R$ 2,6 milhões para compra de medicamentos pelo, enviada pelo deputado Idazio da Perfil (MDB);
R$ 900 mil para a construção da UBS, enviada pelo deputado Isamar Júnior (PSC).
Em nota, o deputado Isamar afirmou que “não compactua com qualquer ato ilegal, imoral e, sobretudo, que levem ao descaso no manuseio da verba pública”. O deputado Idazio afirmou que a “responsabilidade pela execução e gestão dos recursos oriundos dessas emendas é exclusiva do Poder Executivo Municipal, cabendo aos parlamentares a indicação da destinação dos valores”.
Durante uma das oitivas da CPI, a servidora pública do município Raimara Andrade afirmou ter sido obrigada a suspender, de forma irregular, ao menos três processos licitatórios durante a gestão do ex-prefeito James Batista. Raimara, que atua como pregoeira desde 2021, disse ter recebido ordens do então pregoeiro da Secretaria Municipal de Licitação e Contratação e relatou que precisou buscar justificativas para embasar as suspensões.
A servidora afirmou que não tinha contato direto com o ex-prefeito, mas que as orientações vinham do secretário da pasta. Um deles, segundo o relator da CPI, envolvia a compra de medicamentos com com a emenda do deputado Idazio, mas acabou sendo interrompido e posteriormente direcionado a outra finalidade.
A CPI levantou que o dinheiro das licitações foi transferido da conta de recurso próprio da prefeitura e, no mesmo dia, fizeram um pagamento para a empresa TechMix. Com isso, foi solicitado a quebra de sigilo da empresa e do dono, Márcio Muller. A Comissão foi instalada em março deste ano e não tem prazo para finalizar.
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Fonte: G1