26/07/2025
NOSSA OPINIÃO
O exemplo de Preta Gil
A partida precoce de Preta Gil, aos 50 anos, expõe com força rara o quanto a trajetória de vida pública pode servir de alerta e inspiração para a sociedade. Ao revelar, em janeiro de 2023, o diagnóstico de adenocarcinoma no intestino, a cantora não apenas interrompeu o ritmo frenético do Bloco da Preta — que mobilizou 500 mil foliões em sua estreia —, mas também decidiu transformar seu tratamento em um farol de conscientização sobre a importância do rastreamento precoce do câncer.
Preta, filha de Gilberto Gil, fez de sua cirurgia e das sessões de quimioterapia um relato transparente. Em depoimento, relatou o desconforto que a levou à Clínica São Vicente, na Gávea, até a confirmação do tumor na porção final do intestino. Ao optar por dividir com o público cada etapa — desde a internação até os desafios de retomar a rotina artística —, ela humanizou uma doença que, segundo o Instituto Nacional do Câncer, é o terceiro tipo mais comum no Brasil, com 45 mil novos casos anuais no cólon e reto .
O gesto de falar abertamente de toque retal, colonoscopia e exame de fezes, procedimentos ainda cercados de tabus, empoderou pacientes e familiares. Em geral, sintomas só surgem em estágio avançado: alterações no trânsito intestinal, perda de peso e sangramento nas evacuações são alertas tardios. Por isso, recomenda-se exame de fezes e colonoscopia antes dos 50 anos quando há histórico familiar, reduzindo a chance de diagnóstico tardio e aumentando a probabilidade de cura .
Em 2024, diante de recidiva em outros órgãos, Preta viajou a Nova Iorque em busca de tratamentos experimentais. Mesmo longe de casa, manteve viva a missão de reforçar a necessidade de acompanhamento médico regular. Sua morte, é também um chamado urgente: a saúde preventiva deve deixar de ser privilégio ou medo para ser compromisso de todos.
O legado de Preta Gil transcende a discografia de quatro álbuns de estúdio e sua carreira de empresária. Ela nos ensinou que enfrentar o câncer é, acima de tudo, um ato de coragem coletiva. Em um país em que o sedentarismo, a obesidade e o consumo de alimentos ultraprocessados agravam o risco da doença, sua postura contribui para desmistif**ar exames desconfortáveis e reforçar a autorresponsabilidade.
É imprescindível que o sistema de saúde pública e as campanhas de informação se amparem nesse exemplo. Debates sobre prevenção devem chegar a escolas, locais de trabalho e mídias sociais, incentivando hábitos saudáveis e o acompanhamento médico regular. Se os números apontam 45 mil novos casos anuais, podemos reduzir signif**ativamente essa estatística atuando cedo.
Ao aceitar dividir seu sofrimento e suas pequenas vitórias, Preta Gil deixou de ser apenas “a filha de Gilberto Gil” ou “a cantora irreverente”. Tornou‑se protagonista de uma luta que reúne todos nós: a vida. Que sua história estimule cada leitor a marcar uma consulta, realizar um exame de rastreamento e cuidar da própria saúde — antes que seja tarde.