11/05/2025
Após determinação do STF, Rio planeja começar retomada de território ocupando grandes complexos
No último dia 3 completou um mês desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento da “ADPF das Favelas”, ação iniciada em 2019 com o objetivo de reduzir a letalidade policial nas comunidades do Rio de Janeiro. Foi ao longo da discussão sobre a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635 que se instituiu o uso de câmeras corporais nas fardas dos policiais e nas viaturas.
Na decisão tomada no mês passado, os ministros aprovaram outras medidas a serem adotadas pelos órgãos envolvidos na segurança pública, ampliaram a atuação da Polícia Federal e ainda exigiram do Estado a elaboração de um plano de reocupação territorial de áreas sob domínio de organizações criminosas. Ainda há poucos efeitos práticos da decisão tomada em Brasília, mas o governo estadual já iniciou o planejamento para a retomada de regiões hoje dominadas por bandidos.
Decisão não foi publicada
A decisão ainda não foi publicada oficialmente pelo Supremo, o que mantém em suspenso o avanço de alguns trâmites burocráticos. O secretário de Segurança Pública do Rio, Victor Cesar Carvalho dos Santos, adiantou, no entanto, que já há conversas sobre os critérios que serão adotados na reocupação dos territórios, um ponto-chave da decisão dos ministros na ADPF. Ele chama atenção para o fato de que não há capacidade técnica nem operacional para se ocupar, simultaneamente, as mais de 800 comunidades do estado. Para que sejam determinadas prioridades, as localidades deverão ser avaliadas segundo graus de dificuldade, como criticidade, tamanho e acesso.
— Se os governos federal, estadual e municipal tiverem fôlego para isso, começaria pelos grandes complexos. Assim, vamos evitar a percepção de favorecimento. Se não der para todos, que se escolha um complexo de maior desafio. Porque, dando certo nos locais de maior complexidade, é natural que funcione nos outros — pondera o secretário.
O procurador-geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Antonio José Campos Moreira, já se reuniu com o comando da Polícia Militar para alinhar protocolos conjuntos com ênfase na retomada de territórios dominados por facções criminosas e reforço de ações de inteligência integradas. Desde a decisão, o MPRJ diz já ter mobilizado suas diversas estruturas internas para alinhar diretrizes de atuação, com foco na presença nos locais dos fatos, investigações diretas, escuta qualificada e protocolos integrados.
— Criamos ações para o fortalecimento do controle externo da atividade policial e, ao mesmo tempo, o combate ao crime organizado — diz o procurador-geral de Justiça.
A experiência das UPPs
Esse não será o primeiro plano de retomada de territórios desenvolvido para o Rio. A implementação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) foi uma das iniciativas mais exitosas, mas perdeu fôlego com o passar do tempo. Hoje ainda há 19 favelas com UPPs, mas o número, em seu auge, chegou a 38, com 12 mil agentes alocados. A nova abordagem vai ser diferente, a começar pela intenção de priorizar os grandes complexos — a primeira UPP foi inaugurada em 2008 no Morro Santa Marta, em Botafogo, na Zona Sul da cidade.
Daniel Hirata, coordenador do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni), da Universidade Federal Fluminense (UFF), explica que a dinâmica do crime mudou e a efetiva retomada de território ultrapassa a presença física da polícia. Para ele, não haverá sucesso de qualquer plano sem a implementação de medidas de combate a serviços explorados pelo crime, como internet, gás e luz.
— Retomar os territórios tem a ver com a atuação sobre esses mercados. É preciso planejar também em escala metropolitana. Vimos, com as UPPs, que o controle territorial armado acabou sendo empurrado para outros municípios que não tinham essa dinâmica — conta Hirata.
Ex-comandante geral da PM, Mario Sergio de Brito Duarte esteve à frente da operação de ocupação do Complexo do Alemão em 2010. Ele acredita que a complexidade da primeira área a ser retomada das mãos de criminosos, como determina o STF, não fará muita diferença, mas sua escolha deve ser feita após análise meticulosa. Ele observa ainda que as facções possuem maior poder hoje do que no início das UPPs.
— Tudo que surgiu de novo em potência criminal no Rio será obstáculo. Se eu tivesse que arriscar uma operação matemática do poder do crime coletivizado que domina territórios do Rio, eu diria que é dez vezes maior do que era em 2012 — diz.
O secretário de Segurança Pública considera que a decisão do STF foi positiva para o estado e trouxe avanços nos protocolos policiais. Questionado se, com o fim do julgamento da ADPF, as polícias estão mais “livres para fazer o seu trabalho” — autoridades chegaram a afirmar que a medida restringia as operações —, ele respondeu:
— Na realidade, a gente já está livre desde o ano passado, quando mudamos o entendimento na cúpula da segurança sobre o que é o critério de excepcionalidade para realizar operações. Entendemos que, se você não tem o direito de ir e vir onde mora, isso já é uma excepcionalidade. O Rio é uma excepcionalidade. O que posso dizer à população é que não haverá local no Rio onde as forças policiais não entrarão. E, obviamente, o planejamento será sempre para preservar vidas.
Ainda não há relação visível entre a recente decisão do STF e a quantidade de operações policiais no estado. Esse número vem caindo ano a ano, desde 2023. De acordo com o Ministério Público, houve 78 operações entre 4 e 28 de abril de 2024, e 64 este ano, no mesmo período, logo após o fim do julgamento.
Ainda há dúvidas
Entre as decisões da Corte está a necessidade das polícias Civil e Militar usarem câmeras corporais. A PM já adota o equipamento e, no caso dos agentes civis, o entendimento é que sejam utilizadas nas atividades de patrulhamento e policiamento ostensivo, além de operações planejadas. O secretário Victor Santos diz que o estado estuda a compra de câmeras para as viaturas, o que também foi determinado pelo STF. No entanto, há dúvidas sobre o uso dos gravadores pelos agentes da Polícia Civil.
— A decisão menciona o uso da câmera corporal, exceto quando se trata de trabalho de investigação. Mas a própria natureza da Polícia Civil é investigativa. Então, ainda precisamos entender melhor como aplicar isso — afirma o secretário.
O plano aprovado pelo Supremo também determinou 180 dias para que o governo crie um programa de assistência à saúde mental dos profissionais de segurança pública. O prazo ainda não está contando, mas Santos disse que foram iniciadas conversas para definir a estrutura do programa. De acordo o STF, o atendimento psicossocial deverá ser obrigatório sempre que houver envolvimento em um incidente crítico.