18/10/2025
O Trilho Esquecido: a história adormecida da Estação Engenheiro Ferraz em Itanhaém
Por Cesar Lima
Um passado que ainda respira entre o mato e o silêncio
Entre o verde espesso da Serra do Mar e o som distante do Atlântico, repousa uma construção de paredes descascadas e janelas quebradas: a Estação Engenheiro Ferraz, em Itanhaém, no litoral sul de São Paulo.
Hoje, quem passa pela região mal percebe que ali, décadas atrás, apitavam locomotivas que ligavam o interior paulista ao porto de Santos, carregando riquezas, histórias e sonhos.
Inaugurada em 1939, a estação fez parte do ramal Mairinque–Santos, uma das rotas mais ousadas e complexas da antiga ferrovia Sorocabana. Era uma época em que o trem era sinônimo de progresso, e o interior paulista se expandia sobre trilhos. O nome — Engenheiro Ferraz — homenageava um dos técnicos responsáveis pela construção do trecho, um símbolo do orgulho ferroviário nacional.
Do progresso ao esquecimento
Nos anos 90, o ritmo dos trens de passageiros começou a diminuir. Em 1997, a última locomotiva com destino a Itanhaém passou pela estação. A extinção das linhas regulares foi o ponto final.
De lá pra cá, o mato tomou conta, o tempo corroeu as paredes e o som das rodas de ferro virou lembrança.
A velha estação — que já foi ponto de encontro, embarque de produtos agrícolas e parada obrigatória de famílias inteiras — tornou-se ruína. O letreiro ainda resiste, parcialmente coberto pelo musgo.
O que antes era símbolo de movimento e desenvolvimento, hoje é marca de abandono e descaso histórico.
Memória e esquecimento: o dilema do patrimônio
Poucos moradores da nova geração sabem da existência da Estação Engenheiro Ferraz. O acesso é difícil; a estrada de terra que leva até lá exige coragem e curiosidade.
Mas quem chega sente algo diferente: o peso da história, o cheiro do passado, o eco das conversas que já não se ouvem mais.
“É triste ver um patrimônio desses apodrecer. Aqui começou parte da modernização da Baixada, mas parece que ninguém lembra”, diz José Carlos de Souza, 63 anos, ex-ferroviário aposentado, que trabalhou ali entre 1982 e 1996.
Ele conta que, nos tempos áureos, a estação recebia até 10 composições por dia — entre cargas, passageiros e manutenção. “O trem era vida. E a gente tinha orgulho de fazer parte disso.”
Entre o resgate e o esquecimento
Desde o fim das operações, não há projetos concretos de restauração ou tombamento da Estação Engenheiro Ferraz. O espaço, que pertence ao patrimônio da antiga FEPASA (incorporada à CPTM e depois à União), está sem uso público definido.
Pesquisadores locais e entusiastas do turismo ferroviário têm tentado chamar atenção para o local, sugerindo que o prédio seja restaurado e convertido em centro cultural ou museu ferroviário — como já ocorre em outras cidades do estado.
Em 2023, uma proposta informal foi encaminhada à Secretaria de Cultura de Itanhaém, mas sem avanços. A burocracia entre órgãos estaduais e municipais emperra qualquer iniciativa.
O eco de um tempo que não volta
A estação permanece lá, firme, desbotada, cercada pelo mato e pela memória.
É mais do que um prédio abandonado — é um símbolo do que o Brasil costuma fazer com sua história: deixar apodrecer o que não dá lucro.
Enquanto o trem moderno avança nas capitais, com metrôs e monotrilhos, o interior carrega suas cicatrizes enferrujadas.
A Estação Engenheiro Ferraz continua sendo testemunha muda de um tempo em que o progresso corria sobre trilhos — e não sobre esquecimento.
Serviço
📍 Localização: Zona rural de Itanhaém (acesso pela estrada vicinal Eng. Ferraz, próximo à Serra do Mar).
🚫 Acesso: restrito, sem manutenção.
📸 Curiosidade: É uma das poucas estações ainda de pé do antigo ramal Mairinque–Santos.
🎯 Sugestão de pauta complementar: “O turismo ferroviário esquecido do litoral paulista”.