28/07/2025
LÓ: UM HOMEM PRESO ENTRE DOIS MUNDOS - James Admiraal - Parte 1
“e livrou o justo Ló, afligido pelo procedimento libertino daqueles insubordinados (porque este justo, pelo que via e ouvia quando habitava entre eles, atormentava a sua alma justa, cada dia, por causa das obras iníquas daqueles), é porque o Senhor sabe livrar da provação os piedosos e reservar, sob castigo, os injustos para o Dia de Juízo,” —2 Pedro 2:7–9
De todas as pessoas descritas nas páginas da Sagrada Escritura, uma das mais difíceis de compreender é o homem Ló. Se eu perguntasse: "O que você pensa sobre Abraão? Como você o consideraria?", a maioria dos cristãos responderia sem hesitar: "Ele era um homem de grande fé em Deus. Não nos surpreende que a Escritura o chame de 'pai de todos os crentes'."
Mas se eu perguntasse: "E o que você acha do sobrinho de Abraão, Ló?", você provavelmente coçaria a cabeça e se perguntaria o que dizer. Certamente não responderia que Ló era um grande homem de Deus. Pelo contrário, daria à sua piedade, no máximo, uma nota C ou até mesmo D. No entanto, Pedro escreve que Ló era "um homem justo". Aliás, ele o descreve como "justo" nada menos que três vezes em sua carta. Isso certamente nos faz repensar sobre Ló e como devemos realmente entender sua vida e suas ações.
Podemos dizer que Ló era um santo (palavra que significa literalmente "alguém chamado para ser santo"). No entanto, ele era um santo com falhas e pecados evidentes e que fez escolhas muito ruins em sua vida. E o resultado foi que Ló se tornou "um homem preso entre dois mundos". A ironia disso é que Ló é citado nas Escrituras como um exemplo — um exemplo do que os crentes de hoje não devem fazer, um exemplo de como devem responder ao mundo e um exemplo da maravilhosa graça de Deus.
1. As decisões perigosas de Ló
Quando lemos sobre a vida de Ló no livro de Gênesis, a primeira coisa que nos impressiona é que Ló tomou algumas decisões muito ruins, espiritualmente falando. A primeira dessas decisões está registrada em Gênesis 13. Ló acompanhou Abrão à terra de Canaã. Lá, como seu tio Abrão, Ló se saiu bem materialmente. Ele adquiriu rebanhos e gado, e servos para cuidar deles. Deus abençoou Ló assim como abençoou Abrão. Sem dúvida, por causa da graça de Deus em escolher Abrão para se tornar o pai de Seu futuro povo da aliança, Deus também demonstrou graça ao sobrinho de Abrão. Ló também se tornou um verdadeiro crente e seguidor do SENHOR. Viver ao lado de Abrão beneficiou Ló espiritual e materialmente.
No entanto, um resultado negativo de sua prosperidade foi o surgimento de atritos entre Ló e os servos de Abrão, pois competiam pelas mesmas terras de pasto para seus grandes rebanhos de ovelhas e gado. Abrão sugeriu que os dois homens se separassem e até ofereceu a Ló a escolha de qual parte da terra ele queria para seus animais e residência. Foi gentileza de Abrão oferecer isso, já que, como homem mais velho, ele deveria ter tido essa escolha. Ló voluntariamente fez a "primeira escolha" e escolheu para seus rebanhos o vale bem irrigado do rio Jordão, com suas boas pastagens. Parecia que ele levou a melhor. Mas espiritualmente, a situação foi muito diferente, porque naquele vale fértil o pecado também floresceu. Era o local das cidades perversas de Sodoma e Gomorra.
A Bíblia não critica especificamente a escolha de Ló, mas certamente nos conta os eventuais resultados negativos dela para Ló e sua família. Parece claro que Ló considerou seu bem-estar material acima de seu bem-estar espiritual. Isso deve conter uma lição para os cristãos de hoje, que frequentemente colocam seu bem-estar material acima do bem-estar espiritual de si mesmos e de suas famílias. Um pai cristão pode receber uma oferta de emprego ou promoção atraente que exija mudança para outro lugar. Certamente não é errado considerar tal oferta. No entanto, o fator mais importante ao tomar tal decisão é sempre como ela afetará o bem-estar espiritual de sua família. Ele deve fazer perguntas como: Existe uma igreja fiel, sólida e que prega verdadeiramente a Bíblia no novo local? O novo local oferece oportunidade de educação cristã para meus filhos? Meu novo cargo exigirá que eu abra mão de minhas convicções espirituais (como trabalhar no Dia do Senhor)?
Isso não significa, por outro lado, que se deva tentar escapar do mundo. Como Jesus nos disse, estamos no mundo, mas não devemos ser do mundo. A fuga do mundo não é uma opção para o cristão, pois ele deve ser fermento no mundo. Ao mesmo tempo, o cristão deve sempre ter cuidado para não se colocar desnecessariamente em um ambiente ímpio.
Esta foi mais uma péssima decisão de Ló. Ele não apenas escolheu o vale mais rico da planície do Jordão para seu ganho material, como também decidiu estabelecer-se perto da cidade perversa de Sodoma. Lemos em Gênesis 13:12: “Habitou Abrão na terra de Canaã; e Ló, nas cidades da campina e ia armando as suas tendas até Sodoma.” Um pouco mais tarde, aprendemos em Gênesis 19 que Ló havia se mudado para Sodoma com sua família.
De fato, Ló se envolveu na sociedade de Sodoma, pois Gênesis 19:1 nos conta que, quando dois anjos de Deus vieram resgatar Ló antes que o Senhor destruísse a cidade, Ló estava sentado à entrada da cidade — onde os homens da cidade costumavam se reunir para socializar nos tempos antigos. Ainda mais revelador do que aconteceu com Ló e sua família em Sodoma é que as duas filhas de Ló estavam noivas de jovens de Sodoma. A esposa de Ló havia se apaixonado pela sociedade e cultura de Sodoma. Obviamente, a família de Ló havia se acomodado muito na cidade totalmente perversa de Sodoma. Como resultado, não é surpreendente o que aconteceu quando Ló foi mandado pelos anjos de Deus a deixar Sodoma imediatamente antes que Deus derramasse Seu julgamento sobre a cidade e a destruísse completamente. Os anjos tiveram que literalmente tirar Ló e sua família da cidade. Ló hesitou em deixar sua casa lá.
Ao saírem da cidade, a mulher de Ló olhou para trás, para Sodoma, e se transformou numa estátua de sal. Ela estava tão apegada à cidade mundana e perversa que não resistiu a um último olhar de desejo para ela. Seu coração ainda estava lá. Portanto, ela veio compartilhar seu castigo divino — ao morrer olhando para trás. Aqueles que amam o mundo ímpio perecerão com ele. É também por isso que Jesus exortou Seus ouvintes que vivem nos últimos dias: “Lembrai-vos da mulher de Ló. Quem quiser preservar a sua vida perdê-la-á; e quem a perder de fato a salvará.” (Lucas 17:32–33)
2. A angústia diária de Ló
Apesar das más decisões de Ló, contudo, não devemos pensar que ele tenha abandonado Sua fé e relacionamento com o Senhor, o Deus de Abraão, enquanto viveu em Sodoma. Se tivéssemos apenas o registro de Gênesis, poderíamos estar inclinados a chegar a essa conclusão. Contudo, a reflexão inspirada de Pedro sobre a experiência de Ló indica o contrário. Três vezes, Pedro se refere a Ló como "justo". Isso nos diz claramente que Ló certamente sabia o que era certo e errado aos olhos de Deus, e isso antes mesmo de Deus ter promulgado os Dez Mandamentos. Deus havia revelado a Ló e gravado em seu coração Sua santa vontade e Sua aversão a toda conduta pecaminosa.
Apesar de toda a sua associação com o povo de Sodoma e da influência que tiveram sobre ele, Ló permaneceu um homem justo. A evidência que Pedro oferece desse fato é um comentário interessante e importante que ele faz sobre Ló. Ele escreve que Ló estava “e livrou o justo Ló, afligido pelo procedimento libertino daqueles insubordinados (porque este justo, pelo que via e ouvia quando habitava entre eles, atormentava a sua alma justa, cada dia, por causa das obras iníquas daqueles), ” (2 Pedro 2:7-8).
Ló era um homem preso entre dois mundos — dois mundos essencialmente opostos. Um era o mundo de Sodoma, o mundo do pecado e de Satanás. O outro era o mundo do reino de Deus, governado pela vontade justa e santa de Deus. E Ló, apesar de suas muitas fraquezas e falhas, ainda era membro do reino de Deus. Em suma, Ló sempre permaneceu um filho de Deus — mesmo que seus filhos e posteridade não fossem filhos de Deus. Suas filhas foram infectadas pelo pecado de Sodoma, e sua descendência (por meio de seus atos incestuosos com seu pai Ló) produziu o povo de Amom e Moabe.
No entanto, como filho de Deus, Ló nunca se sentiu em casa em Sodoma, onde havia construído sua casa material e criado sua família. De fato, Pedro usa as fortes palavras de que Ló estava "afligido" e "atormentado" em sua alma pelas vidas e atos imundos que testemunhou em Sodoma. Esses atos incluíam os atos depravados de imoralidade sexual praticados pelo povo de Sodoma, entre eles luxúria e atos homossexuais. A cidade vivia apenas para esses prazeres pecaminosos, que a Bíblia nos diz em Romanos 1 serem o resultado de uma cultura hedonista, secular e negadora de Deus, que Deus entrega à sua depravação.
Este é precisamente o mesmo tipo de mundo e sociedade em que os cristãos vivem hoje. A impressionante prática e aceitação de desejos e atos pervertidos, é uma indicação clara de como a cultura ocidental também se tornou madura para o julgamento divino. É um acontecimento assustador que cada vez mais pessoas — especialmente a geração mais jovem — sejam a favor de tais atos que são abomináveis a Deus e contrários à natureza. A questão é o quanto nossas almas são "angustiadas" e "atormentadas" por essa maldade abertamente defendida e orgulhosamente desafiadora? Como Ló, estamos expostos ao pecado diariamente — em nossas próprias vidas, mas também na sociedade em que vivemos. Mas como reagimos a isso? Simplesmente ignoramos e dizemos: "É assim que o mundo é?" Ou talvez até mesmo abonamos condutas pecaminosas ao "reinterpretar" o que a Bíblia ensina?
Costuma-se dizer que o mundo sempre esteve cheio de pecado e maldade e que nossa era não é diferente das anteriores. Uma diferença, porém, é que nossas formas modernas de comunicação, como a televisão e as redes sociais, nos expõem ao pecado com muito mais facilidade. As práticas do mundo pecaminoso estão tão próximas de nós, que podemos nos acostumar a elas e não nos deixar perturbar por elas. Por exemplo, será que nos irrita e nos perturba profundamente assistir programas e postagens que promovem abertamente o pecado e estão repletos de comportamento imoral e blasfemo?
Ló era um homem pecador com uma natureza pecaminosa. No entanto, como filho de Deus, ele também era um homem justo, repelido pelo pecado que via ao seu redor. Ele vivia na perversa Sodoma, mas era atormentado pelo que via lá todos os dias. Então, alguém poderia perguntar: Por que Ló não deixou Sodoma por conta própria? Por que ele continuou morando lá e criou sua família lá? Essas são boas perguntas. Elas mostram a fraqueza espiritual de Ló. Ou também pode ser que sua esposa e filhos se recusassem a deixar a cidade da qual haviam se apaixonado. De qualquer forma, Ló era "um homem preso entre dois mundos".
Continuaremos…