14/08/2025
Colunista
TDAH ou o Reflexo do Mundo em que Vivemos? Um Olhar para Além do Rótulo
(Os textos assinados são de responsabilidade do autor e não refletem, necessariamente, a opinião deste veículo)
Tem algo diferente acontecendo com nossas crianças. Elas estão inquietas, impacientes, distraídas, cansadas. E cada vez mais pais, professores e cuidadores escutam a mesma frase: “Pode ser TDAH”.
O diagnóstico de Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) se tornou comum. Mas será que estamos fazendo as perguntas certas? Ou será que estamos apenas tentando calar os sinais que as crianças nos mostram com o corpo e com o comportamento?
Russell A. Barkley, referência mundial no estudo do TDAH, explica que o transtorno não é apenas uma fase difícil, mas um desafio real no funcionamento do cérebro. Crianças com TDAH apresentam dificuldades em manter o foco, controlar impulsos e planejar suas ações. Segundo ele, trata-se de um transtorno do desenvolvimento da capacidade de autocontrole, e por isso não pode ser confundido com desobediência ou má educação.
F**a o alerta: o diagnóstico deve ser preciso, bem investigado e nunca baseado apenas no comportamento isolado. Muitos fatores ambientais, emocionais e biológicos podem produzir sintomas parecidos com os do TDAH. O problema é que, muitas vezes, pulamos etapas. Diante da agitação, da desatenção ou da dificuldade em seguir regras, corremos para o rótulo e, pior, para a medicação sem antes olhar o cenário completo.
O estilo de vida moderno tem exigido muito das crianças e oferecido pouco em troca. Elas crescem rodeadas de estímulos, mas com poucas pausas. São expostas a telas desde muito cedo, alimentam-se com produtos ultraprocessados, dormem mal e vivem em lares acelerados, muitas vezes sem rotina, sem escuta e sem espaço para simplesmente serem crianças.
Essa realidade não passa despercebida pelo cérebro em desenvolvimento. O excesso de estímulo, o barulho constante e a falta de previsibilidade interferem diretamente no comportamento. Uma criança que dorme mal, se alimenta mal e passa o dia inteiro na frente da TV ou do celular vai, inevitavelmente, apresentar sinais de cansaço mental, irritação, dificuldade de foco. E isso não é um transtorno, é um reflexo.
Além disso, existem outros fatores de saúde que frequentemente passam despercebidos e que podem imitar os sintomas do TDAH: deficiências de ferro e zinco, alterações hormonais, alergias alimentares, infecções parasitárias, além de situações emocionais como perdas, insegurança ou conflitos familiares.
Diante de tudo isso, antes de concluir que se trata de TDAH, o mais sensato é investigar com profundidade. Como diz Barkley (2015, p. 118), “o tratamento deve ser multimodal, envolvendo não só o medicamento, mas também intervenções psicossociais, escolares e familiares”. Nenhuma criança deve ser reduzida a uma receita.
E é nesse ponto que entra a importância do olhar psicológico. Quando acolhemos a criança em um processo terapêutico, descobrimos que seu comportamento é mais do que um sintoma é uma linguagem. É a forma como ela expressa o que ainda não consegue nomear com palavras.
Na Gestalt-terapia, por exemplo, valorizamos o que a criança vive no aqui e agora. Não nos fixamos apenas no diagnóstico, mas buscamos compreender como ela está se sentindo, como reage ao ambiente e como pode se tornar mais consciente de si mesma. Entende que o comportamento da criança surge dentro de um campo maior, que envolve o ambiente, as relações e o momento presente. Por isso, o foco não é corrigir o comportamento em si, mas ajudar a criança a se escutar, a perceber seus sentimentos e a encontrar formas mais saudáveis de se expressar. Brincar, desenhar, conversar, movimentar-se: tudo isso vira ferramenta terapêutica quando feito com presença e escuta verdadeira.
Outro aspecto importante da terapia é incluir os cuidadores no processo. Muitos pais se sentem culpados ou perdidos quando enfrentam dificuldades com os filhos. Por isso, a terapia também se torna um espaço de acolhimento para eles. É preciso construir, junto com a família, uma nova forma de estar com a criança: com mais limites claros, rotinas previsíveis, presença real e afeto constante.
Afinal, muitas vezes a criança não precisa de um diagnóstico, precisa de um lugar seguro para crescer. Precisa de noites bem dormidas, comida de verdade, menos telas e mais tempo ao ar livre. Precisa de adultos que olhem nos olhos, escutem com paciência e não tenham medo de dizer “não” quando necessário. Precisa de menos correção e mais conexão.
Isso não significa que o TDAH não existe, ele existe, e precisa ser tratado com responsabilidade. Mas é preciso reconhecer que nem todo comportamento difícil é sinal de transtorno. Às vezes, é só um alerta: algo no ambiente não está funcionando bem, e o corpo da criança está gritando por ajuda.
Por isso, antes de correr para a medicação, é essencial observar, investigar e cuidar da base. O diagnóstico só faz sentido se vier acompanhado de um plano de cuidado amplo e respeitoso, que considere a criança como um ser em desenvolvimento, cheio de possibilidades e não apenas como alguém que precisa ser consertado.
Uma infância saudável não se constrói com rótulos.
🖊️ Maria Jaci é psicóloga clínica, especialista em Gestalt-terapia. Realiza atendimentos presenciais e on-line para crianças, adolescentes e adultos, além de colaboradora da Portando Click
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