06/10/2025
A influência dos nagôs na cultura religiosa carioca
Publicado por Márcia Pimentel – texto
Os povos nagôs tiveram papel fundamental na formação da identidade religiosa e espiritual do Rio de Janeiro. Vindos da Costa da Mina — região que hoje compreende Gana, Togo, Benim e Nigéria — chegaram em grande número durante o Império e o início da República, trazendo consigo tradições, línguas e rituais que marcariam profundamente a religiosidade da cidade.
Embora já houvesse nagôs no Rio desde o século XVIII, o grande fluxo ocorreu após a Revolta dos Malês, em 1835, na Bahia. O levante, liderado por africanos muçulmanos, provocou forte repressão, e muitos senhores de engenho temendo novas rebeliões venderam seus cativos para a Corte carioca. Com isso, centenas de africanos da Costa da Mina foram deslocados para o Rio, alterando o panorama étnico e cultural da capital do Império.
Os nagôs, também conhecidos como sudaneses, pertenciam a diversas etnias, entre elas os jejes, iorubás, haussás, mahis e mandingas. Apesar da diversidade linguística e cultural, compartilhavam um sistema religioso complexo, com culto aos orixás e elementos de islamização que coexistiam com tradições africanas mais antigas.
Muitos desses africanos e seus descendentes se estabeleceram nas imediações do cais do porto, especialmente na região da Pedra do Sal, onde viviam em casarões coletivos chamados zungus. Esses espaços se tornaram centros de convivência e resistência cultural, nos quais a religiosidade africana pôde se preservar e se reinventar. Foi ali que surgiram as primeiras formas de culto que dariam origem à macumba carioca, prática religiosa sincrética que unia elementos bantos e nagôs, misturando toques, cantos, feitiços e oferendas aos ancestrais e orixás.
Com o tempo, as práticas espirituais nagôs se organizaram em casas de culto mais estruturadas. A primeira casa de candomblé de que se tem notícia no Rio foi a de Bamboxê, fundada por um africano vindo da Bahia em meados do século XIX. Porém, a mais influente foi a casa do nagô João Alabá, localizada entre a zona portuária e a Cidade Nova. Esse terreiro se tornou referência espiritual e formou gerações de sacerdotes e sacerdotisas, que difundiram o Candomblé Nagô e ajudaram a estabelecer a base da religiosidade afro-carioca.
Entre suas filhas de santo destacaram-se Tia Amélia, Tia Bebiana e, principalmente, Tia Ciata, figuras centrais na resistência cultural e religiosa negra. A casa de Tia Ciata, na Praça Onze, era um verdadeiro centro espiritual, onde o culto aos orixás coexistia com a devoção católica, num claro exemplo do sincretismo que caracterizou a religião afro-brasileira no Rio de Janeiro.
Da convivência entre as tradições banto e nagô nasceu também a Umbanda carioca, religião que uniu o culto aos orixás e ancestrais africanos com práticas indígenas e influências do espiritismo kardecista. A Umbanda se tornou a expressão espiritual mais representativa do sincretismo urbano do início do século XX, mantendo viva a herança dos terreiros nagôs e a força da espiritualidade africana em solo carioca.
Assim, a presença nagô no Rio de Janeiro não apenas influenciou o desenvolvimento do Candomblé e da Umbanda, como também moldou toda a base espiritual da cidade, fortalecendo suas raízes africanas e criando uma identidade religiosa própria, profundamente marcada pela fé, pela ancestralidade e pela resistência do povo negro.