09/05/2025
"O Papa Pio IX, furioso de ver engaiolado um dos seus fervorosos servos, fulmina contra o governo a e comunhão maior. Este que já sabe dar o devido apreço a essa...borracheira espiritual, toma acertadas precauções" Periódico "O Mosquito" 10/01/1874. N°226
Após ser condenado a quatro anos de prisão pelo Supremo Tribunal de Justiça em 1874, Dom Frei Vital Maria Gonçalves de Oliveira, (1844-1878), Bispo de Olinda de 1871 a 1878 foi levado para a Fortaleza da Ilha das Cobras na Baia de Guanabara, Rio de Janeiro
Dom Vital foi condenado após seu confronto com a Maçonaria, pois proibiu a participação de sacerdotes em qualquer cerimônia maçônica, cancelando as missas encomendadas por maçons. Lançava também um interdito sobre as irmandades que mantivessem em seu seio elementos maçons, que eram a elite política, econômica e militar do Brasil Império. Sua excomunhão dos maçons e o fechamento das irmandades estavam de acordo com a Bula do Papa Pio IX. Porém a bula Papal não foi aprovada pelo Beneplácito de Dom Pedro II, tornando as ações do Bispo ilegais aos olhos do Supremo Tribunal, que ironicamente era presidido pelo Maçom Joaquim Marcelino de Brito. O Imperador porém dispensou-o do trabalho forçado por temer que o governo caísse diante da indignação do povo.
O governo imperial eriçou-se em tutor da Igreja, intervindo por vezes abusivamente nos negócios, espirituais. O famoso Aviso de Nabuco de Araújo a respeito da entrada de noviços nos conventos e nos mosteiros redundou quase que no fechamento desses estabelecimentos religiosos. Pode-se dizer que, a título de salvaguardar a pureza da vida religiosa, o governo olhava pelo buraco da fechadura, espiando os desregramentos de frades e padres, enquanto que ditava soberanamente, como árbitro do ensino religioso, os compêndios a serem adotados nos Seminários. Não era possível maior absorção do poder temporal em face das coisas e dos interesses da formação espiritual. Dom Vital Maria Gonçalves de Oliveira veio encontrar o Recife da década de 70 convulsionado pelas lutas ideológicas e jornalísticas entre ultramontanos e liberais, ou, se quiserem, entre jesuítas e maçons.
Ora, numa época de fanatismo liberal, que se avizinhava já do republicanismo, e quando Aprigio Guimarães, lente de Direito Eclesiástico na Faculdade de Direito do Recife, dizia que o Recife era "A Capital do Jesuitismo" - era muito difícil convencer a reação maçônico-liberal das boas intenções de um Bispo rosminiano, apontado como obscurantista e ultramontano.
Dir-se-ia que a tutela do Estado, de fundo majestático e pombalino, não estaria à vontade para as intervenções descabidas que, antes mesmo da chamada Questão Religiosa, levaram o bispo do Pará, Dom Antônio Macedo Costa, a dizer ao Imperador, em famoso memorial: - "Majestade: a Igreja não é alfândega do Estado".
O Imperador teve sempre uma noção regalista da sua autoridade. Parece não ter sido tão apegado à sua própria condição de monarca, dizendo certa vez que se não fosse Imperador, preferia ser professor. Certo ar doutoral ou magisterial do seu governo vinha naturalmente do seu gosto livresco pelas coisas do espírito.
Na Questão Religiosa o princípio de autoridade, que ele considerou desafiado e quase ultrajado pelos Bispos, seu autoritarismo o fez agir antes com a coroa do que com a cartola
Não foi ao acaso que alguns juristas ou canonistas do Conselho de Estado chegaram a afirmar que os Bispos de Olinda e do Pará representavam uma soberania estrangeira, a do Vaticano. Essa tese foi esposada pelos liberais e pelos maçons, todos eles empenhados em demonstrar por um falso casuismo que o Brasil, como nação soberana, estava sendo invadido por uma potência religiosa, que perturba as relações entre a Igreja e o Estado. Como se essas relações tivessem sido sempre harmoniosas e pacíf**as! O caso de Dom Vital é típico de um estremecimento de relações que, só na aparência, eram boas e ef**azes.
Depois da morte de Dom Vital, o padre ideal era ele. Esse é o tema da seminovela de Gilberto Freyre - Dona Sinhá e o Filho Padre - segunda edição. Todo o desejo de Dona Sinhá era que o seu filho José Maria fosse sacerdote. Mas um padre como Dom Vital. Um padre assim impressionante pela firmeza e pela grandeza do seu ideal. Que honrasse as melhores tradições da Igreja militante.
Até em maços de cigarro aparecia o seu nome. Como aparece hoje para batizar empresas rodoviárias. E mesmo para dar nome a outras coisas, ligadas ao povo, uma vez que ele foi - apesar de homem de elite - homem do povo, andando a pé, sozinho, pelas ruas do Recife, passando quase diariamente pela casa do pai de Oliveira Lima, que é hoje sede do Conselho Estadual de Cultura de Pernambuco.
Dom Vital foi pedra angular da Igreja no seu rerguimento diante da tutela do Estado; e fogo na sua maneira de agir, de deliberar, de enfrentar o poder majestático.
Referindo-se às expressões usadas pela Maçonaria contra Dom Vital (pág. 69), escreve Gilberto Freyre: "Essas expressões ostensivas do Anticatolicismo, da parte das lojas maçônicas no Brasil, só se tornaram sistemáticas na imprensa do Império na década 70-80. Até então a Maçonaria trabalhara com outros modos e com outras palavras.
Fazendo-se até de aliada da Igreja. Ganhando a confiança dos sacerdotes mais inocentes em suas atitudes; porém que lhe seriam úteis, deixando-se incluir entre os membros de uma sociedade dedicada tão inofensivamente à caridade cristã.
Recordou-o o próprio Dom Vital num seu escrito: "Até 1872 tinha a Maçonaria no Brasil permanecido secreta, nisso dando ares de malquerença à fé Católica; e chegara até, sob a capa de Religiosa , a introduzir-se no Clero, nos seminários, conventos, cabidos e confrarias religiosas. Quando, porém, teve ela seu Grifo-Mestre â testa do governo nacional, e sentiu-se com forças para a luta, julgou oportuno descarar-se e de viseira levantada atacar a Igreja.
A verdade é que o conflito entre a Maçonaria e o Bispo não excede a Questão porque ela tem raízes internacionais; e são essas raízes que, ultimamente, mais tem servido de pesquisas e observações.
Durante o Império, vemos surgir duas tendências reformistas da Igreja em franca oposição ideológica. De um lado, o movimento que pode ser chamado de regalista, nacionalista e liberal, dirigido por um grupo muito ativo e expressivo do clero paulista entre os anos de 1826 e 1842 em direção a formação de uma Igreja nacional. Do outro lado, os clérigos ligados a Roma, como Dom Vital, respeitando as diretrizes do Concílio de Trento. Seus integrantes, que iriam prevalecer no final do Império propunham uma Igreja mais centralizada com nítidas compreensões doutrinárias e disciplinárias.
Foi uma luta incessante, que a República venceu, separando a Igreja do Estado. Era essa a doutrina de Ruy Barbosa, ao que se diz apoiado por Dom Macedo Costa, companheiro de lutas e de prisão de Dom Vital, que sentiu na própria pele a falsidade do preceito constitucional, que fez do Catolicismo a religião oficial do Império. Longe de ser uma derrota da Igreja, foi uma vitória. A ausência da tutela do poder temporal deu-lhe liberdade de ação.
O Bispo de Olinda reuniu todas as forças para o combate provocado por ataques e desafios na imprensa maçônico-liberal da época. A década de 70-80 foi rica nesses debates. De ambos os lados a Perna mbucanidade se revelou extremadamente ortodoxa do ponto de vista das nossas tradições de liberdade. Não era propósito do Bispo de Olinda, um jovem de 28 anos de idade, terçar armas aos adversários que esperava encontrar.
Durante a prisão de Dom Vital, sua popularidade cresceu como uma grande onda por todo o Brasil e a fortaleza tornou-se um local de peregrinação. Pressionado pelo Governo e pela população o Barão de Angra autorizou um serviço especial para conduzir as pessoas que quisessem visitá-lo na Ilha das Cobras. Famílias inteiras, inclusive mulheres e crianças, vinham a cavalo visitar Dom Vital e pedir sua bênção, que se tornara um herói Católico nacional.
Passado um ano e sete meses da Prisão do Bispo de Olinda, o Imperador Pedro II achou mais prudente para seu governo libertar Dom Vital após ouvir o conselho do Duque de Caxias.
Dom Vital faleceu em Paris, a 4 de julho de 1878. Ao receber o Viático, disse: “Perdôo de coração aos meus inimigos e ofereço a Deus o sacrifício da minha vida”. Monsenhor de Ségur, na oração fúnebre, por ocasião das exéquias, afirmou que Dom Vital morreu envenenado. Seus restos mortais se encontram sepultados na Basílica da Penha, na cidade do Recife, no estado de Pernambuco, aos cuidados dos frades capuchinhos.
Seu Processo de Beatif**ação e Canonização foi aberto oficialmente em 1953 e, depois de um tempo, os trabalhos foram retomados em 1992. A fase diocesana foi encerrada em 04/07/2003 e a documentação foi enviada ao Vaticano. Em 2012, o Arcebispo entregou a Causa à condução dos capuchinhos
Fonte: GILBERTO FREYRE E DOM VITAL Nilo Pereira