05/09/2025                                                                            
                                    
                                                                            
                                            No budismo Theravāda — e, em geral, em todas as escolas budistas — a pergunta “o ser humano é bom ou mau por natureza?” não tem uma resposta direta, porque a tradição não trabalha com os mesmos conceitos absolutos de “bondade” e “maldade” que vemos em religiões teístas, como o cristianismo.
Para o Buda, a natureza fundamental do ser humano não é nem boa, nem má. Ela é, antes de tudo, condicionada. Vou explicar profundamente.
⸻
1. O ser humano e a ausência de essência fixa (Anattā)
Um dos pilares do budismo Theravāda é o ensinamento do Anattā — a não existência de um “eu” fixo ou de uma essência permanente.
Isso signif**a que o ser humano não nasce com uma alma boa ou má, mas sim com um fluxo de mente-corpo (nāma-rūpa) que está constantemente se transformando.
“Assim como uma chama não é a mesma a cada instante, mas continua por condições, também a mente e o corpo não são fixos.”
(Samyutta Nikaya, SN 12.61)
Portanto, quando falamos de “natureza humana”, no budismo não pensamos em algo fixo. A mente pode ser pura ou impura dependendo das condições criadas pelos pensamentos, intenções e ações (kamma).
⸻
2. O estado natural da mente: pureza potencial
Segundo os textos do Pāli Canon, a mente em si mesma tem uma pureza potencial.
No Anguttara Nikāya (AN 1.49-52), o Buda disse:
“Monjes, a mente é luminosa, mas é obscurecida por impurezas adventícias.”
Essa frase é crucial. Signif**a que a mente, por natureza, não é intrinsecamente má. Ela é como um espelho limpo, mas que costuma estar coberto por poeira — a poeira, no caso, são os três venenos:
 • Avijjā → ignorância sobre a realidade;
 • Lobha → apego/desejo desmedido;
 • Dosa → aversão/ódio.
Essas impurezas não são permanentes. Elas surgem dependendo das condições e podem ser eliminadas através do cultivo da sabedoria, da ética e da meditação.
⸻
3. Por que os humanos fazem o mal, segundo o budismo
O budismo entende que as ações consideradas “más” não surgem porque alguém tem uma essência maligna, mas porque há ignorância (avijjā).
Quando uma pessoa não vê claramente a impermanência, a insatisfatoriedade e a ausência de um eu permanente, ela busca satisfazer seus desejos e evitar suas dores, mesmo que isso gere sofrimento para si e para os outros.
Assim, alguém pode matar, roubar, mentir, trair ou ferir não porque seja “mau por natureza”, mas porque está preso ao ciclo de causas e condições que produzem desejo, medo, inveja, raiva, etc.
⸻
4. O potencial para o bem
Ao mesmo tempo, o budismo reconhece que os seres humanos têm potencial ilimitado para o bem.
O caminho ensinado pelo Buda, o Nobre Caminho Óctuplo, é justamente a forma de cultivar ações, pensamentos e intenções saudáveis que purif**am a mente e conduzem à libertação do sofrimento.
A prática de mettā (amor-bondade) e karuṇā (compaixão) mostra que o ser humano pode desenvolver virtudes e alcançar estados elevados de consciência — até mesmo o Nibbāna (libertação), onde as impurezas são completamente eliminadas.
⸻
5. Bom e mau são relativos e condicionados
No budismo, “bom” (kusala) e “mau” (akusala) não são absolutos.
São conceitos funcionais:
 • Kusala → ações, intenções e pensamentos que diminuem o sofrimento e conduzem à paz.
 • Akusala → ações, intenções e pensamentos que aumentam o sofrimento e geram mais apego, raiva e ignorância.
Portanto, uma pessoa não é intrinsecamente boa nem intrinsecamente má; ela apenas atua conforme as condições presentes na mente e no ambiente. Se houver mais sabedoria, compaixão e atenção plena, surgem atos bons; se houver mais ignorância, desejo e ódio, surgem atos maus.
⸻
6. Conclusão
Para o budismo Theravāda, o ser humano não tem uma essência boa nem má.
Ele nasce com uma mente luminosa e potencialmente pura, mas que é constantemente obscurecida pelas impurezas do desejo, do ódio e da ignorância.
O caminho budista ensina que essas impurezas são condicionadas e, portanto, podem ser superadas.
Em outras palavras:
 • O mal não está na essência, mas na ignorância;
 • O bem não é algo dado, mas algo cultivado;
 • A verdadeira liberdade vem ao compreender a natureza condicionada da mente e ao purif**ar gradualmente os estados mentais.