19/08/2025
Feliz Dia do Orgulho Lésbico
Ferro’s e Stonewall Inn: Irmanados pelo pioneiro espírito de rebelião contra o preconceito e a discriminação
O happening do Ferro’s pode ser visto como uma tradução política da revolta de Stonewall em Nova York, em junho de 1969, embora, como boa tradução, não literal. Ambos remontam ao papel importante que os bares e boates tinham para a população gay e lé***ca (travestida ou não) como espaços de socialização e pegação. Estes bares e boates foram, por muito tempo, os únicos espaços onde g**s, lé***cas e afins podiam existir mais abertamente, embora ainda como marginais e sujeitos a maus-tratos tanto dos proprietários dos estabelecimentos quanto da polícia. Que os dois eventos tenham ocorrido em bares é, portanto, o resultado natural do contexto histórico da marginalidade homossexual e, paradoxalmente, da revolução sexual e comportamental da Contracultura que inspirava os dissidentes se***is a enfrentar a discriminação.
A diferença entre Stonewall e o Ferro’s se dá exatamente no aspecto quantitativo da repressão. Stonewall foi uma reação inclusive violenta contra mais uma batida igualmente violenta da polícia no bar controlado pela máfia. G**s, lé***cas e travestis se rebelaram porque não queriam de novo sair do bar de camburão como se fossem bandidos. No Ferro’s também houve alguma repressão antes do evento, porém bem mais light, mas não durante a intervenção, após se ter passado pelo porteiro. A intervenção adquiriu um caráter de happening ou, para usar uma tradução mais atual, uma espécie de flash mob que terminou numa negociação com os donos do bar. Pode ser vista também como uma precursora dos beijaços dos anos 90 em diante, quando g**s e lé***cas faziam flash mobs beijoqueiros contra impedimentos a suas demonstrações de afeto em estabelecimentos comerciais.
No entanto, vale salientar que esse cenário relativamente tranquilo se deu também pelo avanço do processo da redemocratização do Brasil, quando o incipiente movimento homossexual pode levar suas reivindicações, incluindo o fim da violência policial contra g**s, lé***cas e travestis, por “atentado ao pudor”, tanto ao governador de oposição Franco Montoro, eleito pelo voto direto depois de muitos anos de governadores biônicos, em 1982, quanto ao Secretário de Segurança Pública de SP, no início de 1983, obtendo deste último a promessa de que trabalharia para impedir esse tipo de abordagem hostil da polícia.
Isso explica por que a polícia sequer apareceu durante a intervenção no Ferro’s. Também garantiram o final feliz da intervenção a presença da grande imprensa (Folha de São Paulo), numa abordagem positiva da le***anidade, rara ainda naquele período, e a mobilização de vários atores sociais somada aos interesses comerciais dos donos do Ferro’s que se mostraram espertos o suficiente para perceber que valia mais a pena parar de nos boicotar.
Apenas três anos antes, porém, no final de 1980, a polícia, sob o comando de um delegado sensacionalista chamado Wilson Richetti desenvolvera uma série de batidas nos bares lésbicos, incluindo o Ferro’s, prendendo várias frequentadoras, nos moldes da batida no Stonewall Inn, mas sem a parte da revolta. De fato, essas batidas policiais foram comuns tanto nos EUA quanto no Brasil, devido à marginalidade imposta à população homossexual, e tanto a revolta de Stonewall quanto a intervenção no Ferro’s, apesar de suas diferenças, estiveram irmanadas pelo pioneiro espírito de rebelião contra nossa quase total ausência de cidadania naquele período. Míriam Martinho
19 de Agosto: Dia Nacional do Orgulho Lésbico - 2025 | Um Outro Olhar
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