07/10/2025
Chag Sucot
Muitos Nomes, Muitas Reflexões
Por: 🖊️ נילסון דוד מוסקט 🖋️
Acabamos de passar dias intensos, dias em que nossa alma se eleva, se questiona; dias em que o nosso lado espiritual se evidencia, e deixamos até mesmo de nutrir nossos corpos. Logo depois de tanta intensidade, somos instados a construir uma cabana - Sucá.
As instruções para a construção da Sucá são tão explícitas, que nos colocam novamente em contato com o trivial, o cotidiano — como se nos lembrassem de que o mundo em que vivemos é aqui e agora, no meio da comunidade, em meio à natureza, e não em algum retiro isolado ou desenraizado.
Sucot nos convida a compreender que a espiritualidade judaica é relacional: eu-eu, eu-Tu, eu-comunidade e eu-planeta.
Sucot é um dos três grandes festivais bíblicos (Shalosh Regalim), junto com Pessach e Shavuot, e nos oferece múltiplos significados simbólicos.
É também chamado de Chag Ha’Asif (חַג הָאָסִיף) — Festival da Colheita —, lembrando-nos do respeito à terra, às árvores e ao ciclo da natureza. Desde os tempos bíblicos, o judaísmo revela e enfatiza a santidade da criação e a responsabilidade humana pela sua conservação.
"וְחַג הָאָסִיף בְּצֵאת הַשָּׁנָה, בְּאָסְפְּךָ אֶת-מַעֲשֶׂיךָ מִן-הַשָּׂדֶה"
Ve’Chag ha’Asif b’tzêt ha’shaná, be’osfêcha et ma’asecha min ha’sadê.
“E celebrarás a Festa da Colheita ao fim do ano, quando recolheres do campo o fruto do teu trabalho.”
Shemot / Êxodo 23:16
Será que existe tema mais atual? Quão sábia é uma religião que ciclicamente nos chama a refletir sobre a ecologia e a interdependência entre homem e natureza!
A Sucá, com sua simplicidade, nos lembra também da vulnerabilidade humana. Durante oito dias, a família vive na precariedade de uma cabana, recordando tempos nômades e incertos — os quarenta anos no deserto — sustentados apenas pela fé e pela presença divina.
"בַּסֻּכֹּת תֵּשְׁבוּ שִׁבְעַת יָמִים ... לְמַעַן יֵדְעוּ דֹרוֹתֵיכֶם כִּי בַסֻּכּוֹת הוֹשַׁבְתִּי אֶת בְּנֵי יִשְׂרָאֵל"
BaSukkot teishvu shiv‘at yamim... lema‘an yed‘u doroteichem ki vaSukkot hoshavti et bnei Yisra’el.
“Em cabanas habitareis sete dias... para que as vossas gerações saibam que em cabanas fiz habitar os filhos de Israel.”
Vayikrá / Levítico 23:42–43
O Talmud (Suká 11b) debate se as “cabanas” eram físicas ou as “Nuvens de Glória” (Ananê HaKavod), que protegiam o povo no deserto. Assim, a Sucá simboliza a confiança no Divino mesmo em meio à impermanência.
Sucot é também tempo de solidariedade e inclusão. A Torá ordena:
"וְשָׂמַחְתָּ בְּחַגֶּךָ אַתָּה וּבִנְךָ וּבִתֶּךָ וְעַבְדְּךָ וַאֲמָתֶךָ וְהַלֵּוִי וְהַגֵּר וְהַיָּתוֹם וְהָאַלְמָנָה"
Vesamachta bechagecha atah uvincha uvitecha ve’avdecha va’amatecha vehalevi vehager vehayatóm veha’almaná.
“E te alegrarás em tua festa: tu, teu filho, tua filha, teu servo, tua serva, o levita, o estrangeiro, o órfão e a viúva.”
Devarim / Deuteronômio 16:14
Sucot nos ensina que a verdadeira simchá (alegria) é compartilhada — com amigos, com desconhecidos e com os necessitados.
A alegria que não inclui o outro é apenas uma sombra da verdadeira alegria que vem de Deus e da compaixão.
Talmud Torá – Trato de Sucá 27b:
"כָּל מִי שֶׁיֵּשׁ לוֹ סוּכָּה וְאֵין אוֹרְחִים בָּהּ – לֹא קִיֵּם מִצְוָה כְּתִיקוּנָה"
Kol mi sheyesh lo suká ve’ein orchim bah – lo kiyyem mitzvá ketikuná.
“Todo aquele que tem uma Sucá e não recebe nela convidados, não cumpriu a mitzvá em sua plenitude.”
No Judaísmo, o período das Grandes Festas é uma sucessão de experiências espirituais intensas: Rosh Hashaná, Yom Kipur e, logo em seguida, Sucot.
Depois de dialogar com os céus e com o Divino, a tradição nos convida a retornar à vida cotidiana e construir uma cabana com especificações muito precisas — uma estrutura que permita ver o céu e sentir as variações do clima.
Sob a luz das estrelas e o perfume da natureza, passamos sete dias na Sucá celebrando Zeman Simchateinu (זְמַן שִׂמְחָתֵנוּ) — “O Tempo de Nossa Alegria”.
Durante a existência do Templo de Jerusalém, Sucot era uma das Três Peregrinações (Shalosh Regalim) quando os israelitas subiam a Jerusalém para oferecer sacrifícios e agradecer pela colheita e pela vida.
Zohar (Parashat Emor 103a):
"כָּל יוֹמָא וְיוֹמָא עָאלִין אַבְּרָהָם וְחַבְרַיָּא וְאִתְיָשְׁבוּן עִם בְּנֵי מְהֵימְנוּתָא"
Kol yomá ve-yomá ‘ālin Avraham ve-chavrayá ve-it’yashvún im bné meheimonutá
“A cada dia, Avraham e seus companheiros descem e se assentam com os filhos da fé.”
Sucot, portanto, tem um duplo significado:
1. Agrícola – o encerramento do ciclo da colheita, conforme o Êxodo.
2. Espiritual – comemorar a travessia do deserto e a dependência do povo da vontade de Deus, conforme o Levítico.
Mas Sucot também possui um veio místico.
Nos sete dias da festa, recebemos os Ushpizin (אוּשְׁפִּיזִין) — os “convidados” celestiais descritos no Zohar, a obra fundamental da Kabbalah.
Esses sete visitantes espirituais são os pastores de Israel, os patriarcas e líderes que representam as sete Sefirot — atributos divinos que refletem a presença de Deus no mundo e em nosso próprio caráter:
1. Avraham – Chesed (חֶסֶד) → Amor e generosidade.
2. Itzchak – Guevurá (גְּבוּרָה) → Força e autodisciplina.
3. Yaakov – Tiféret (תִּפְאֶרֶת) → Harmonia e verdade.
4. Moshe – Netzach (נֵצַח) → Eternidade e liderança.
5. Aharon – Hod (הוֹד) → Empatia e humildade.
6. Yosef – Yesod (יְסוֹד) → Pureza e fundamento espiritual.
7. David – Malchut (מַלְכוּת) → Realeza e manifestação.
1. Avraham – Chesed (חֶסֶד)
•Sefirá: Chesed → Amor, bondade e generosidade ilimitada.
•Qualidade: Representa a abertura do coração, a capacidade de dar sem limites.
•Alma gêmea: Sara (שָׂרָה) → Compartilha o mesmo espírito de bondade e hospitalidade, refletindo a misericórdia divina.
2. Itzchak – Guevurá (גְּבוּרָה)
•Sefirá: Guevurá → Força, disciplina, autocontrole e restrição justa.
•Qualidade: Canaliza a energia de forma justa e equilibrada, garantindo limites e proteção.
•Alma gêmea: Rivcá (רִבְקָה) → Complementa Itzchak com determinação e firmeza, equilibrando Chesed e Guevurá.
3. Yaakov – Tiféret (תִּפְאֶרֶת)
•Sefirá: Tiféret → Harmonia, beleza, verdade e compaixão.
•Qualidade: Integra Chesed e Guevurá, promovendo equilíbrio e união.
•Alma gêmea: Rachel (רָחֵל)→ Representa a beleza da harmonia familiar e espiritual, refletindo a integração das energias divinas.
Na Kabbalah, Rachel é considerada a alma gêmea de Yaakov. Ela representa a pureza, o amor verdadeiro e a energia feminina correspondente a Tiféret, refletindo a harmonia espiritual central.
4. Moshe – Netzach (נֵצַח)
•Sefirá: Netzach → Eternidade, vitória, liderança e persistência.
•Qualidade: Determinação para realizar a missão divina e superar desafios.
•Alma gêmea: Tziporá (צִפּוֹרָה) → Suporte espiritual e emocional, ajudando Moshe a concretizar seu propósito eterno.
5. Aharon – Hod (הוֹד)
•Sefirá: Hod → Humildade, empatia, gratidão e reconhecimento.
•Qualidade: Harmoniza e traduz a força em serviço ao próximo, expressando devoção.
•Alma gêmea: Elisheva (אֱלִישֶׁבַע) → Complementa a humildade e a devoção de Aharon, apoiando sua energia espiritual.
6. Yosef – Yesod (יְסוֹד)
•Sefirá: Yesod → Fundamento, pureza, canalização de energia espiritual.
•Qualidade: Serve de ponte entre o mundo divino e o mundo material, transmitindo bênçãos.
•Alma gêmea: Asnat (אָסְנַת) → Reflete a pureza e a estabilidade espiritual, fortalecendo a conexão entre o céu e a terra.
7. David – Malchut (מַלְכוּת)
•Sefirá: Malchut → Realeza, manifestação, receptividade e liderança prática.
•Qualidade de Batsheva: Expressa a realeza espiritual no mundo físico, liderando com justiça e bondade. Sabedoria, equilíbrio e receptividade, permitindo que a liderança e realeza de David se expressem plenamente no mundo material.
•Alma gêmea: Batsheva (בַּתְשֶׁבַע)→ Complementa a liderança de David com sabedoria e diplomacia, manifestando a realeza no mundo material.
Batsheva é a mãe de Salomão, e na tradição mística ela representa a Malchut feminina, a receptividade que completa a manifestação espiritual de David.
Zohar, Emor 104a:
"זְמַן דְּיָתְבִין יִשְׂרָאֵל בְּסוּכָּה, אִתְיַישְׁבוּן עִמְהוֹן שִׁבְעָה רוּחִין קַדִּישִׁין"
Zman de-yatvín Yisra’el be-suká, it’yashvún imhón shiv‘á ruchín qadíshin
“Quando Israel habita na Sucá, sete espíritos sagrados habitam com ele.”
Assim, ao recebermos convidados em nossa Sucá, acolhemos também esses sete mestres espirituais, que nos alimentam com suas virtudes e nos inspiram a revelar a imagem divina (Tzelem Elohim) dentro de nós.
Depois dos sete dias de Sucot, vem o Sheminí Atzéret — o “Oitavo Dia da Conexão”.
O Midrash (Bamidbar Rabá 21:24) compara essa festa ao rei que, após um longo banquete com seus filhos, pede que fiquem mais um dia:
"בָּנַי, קָשָׁה עָלַי פְּרִידַתְכֶם; עִכְבוּ עִמִּי יוֹם אֶחָד"
Banái, kashá ‘alái pridátkhem; ikh’vu ímmi yom echád
“Meus filhos, é difícil para Mim separar-Me de vocês; permaneçam comigo mais um dia.”
Logo em seguida, celebramos Simchá Torá, a alegria da Torá. Nesse dia, dançamos com os rolos sagrados, concluímos a leitura de Devarim e começamos novamente em Beresh*t — simbolizando que o estudo é um ciclo eterno, e a revelação divina nunca cessa.
O que simboliza Sucot?
A fragilidade de uma simples cabana sem porta nos faz refletir sobre a efemeridade da vida material; mas, em contrapartida, nos ensina a alegria genuína da fé e a gratidão pela colheita — tanto a colheita da terra quanto a colheita espiritual de nossas ações.
Este ano, porém, essa alegria tem um sabor amargo, temperado pela dor e pela esperança: aguardamos a volta dos reféns e o fim da guerra, esperando que a paz volte a habitar nossas Sucot e nossos corações.
Que a jornada na simplicidade da Sucá, mas com a alegria da alma, seja renovadora, significativa e iluminada.
Pirkei Avot 4:1:
"אֵיזֶהוּ עָשִׁיר? הַשָּׂמֵחַ בְּחֶלְקוֹ"
Eizehú ashír? Hasaméach be-chelko
“Quem é rico? Aquele que se alegra com a sua parte.”
Zohar, Pinchás 221b:
"אַרְבָּעָה מִינֵי נָטָה הַתּוֹרָה, כְּנֶגֶד אַרְבַּעָה גּוּפִין דְּיִשְׂרָאֵל"
Arba‘á minei natá ha-Torá, k’neged arba‘á gufín de-Yisra’el
“Os quatro tipos ordenados pela Torá
Arbaat Habonim - (Etrog, Lulav, Hadás e Aravá) correspondem aos quatro tipos de pessoas em Israel.”
1. Etrog (אֶתְרוֹג) – Cidra
Fruto cítrico, aromático, sabor doce e agradável, com aparência bonita.
Representa a pessoa que possui boa aparência e bom caráter, ou seja, beleza externa e virtude interna.
Parte do corpo: Boca
A boca expressa a beleza da fala, gratidão, sabedoria e comunicação. Assim como o Etrog, que tem aroma e sabor, a boca transmite a essência interna.
Símbolo: Integra beleza e sabedoria, simbolizando perfeição física e espiritual.
2. Lulav (לוּלָב) – Palmeira ou Tamareira
Um ramo longo e reto de palmeira, com folhas unidas e resistentes.
Representa a pessoa que tem boas ações (maasim tovim) mas não necessariamente beleza física.
Parte do corpo: Espinha (Coluna Vertebral)
Representa a força e retidão do corpo. A coluna sustenta todo o corpo, assim como o Lulav simboliza firmeza, retidão e ação correta.
Símbolo: Atua como símbolo de força e retidão, mas sem destaque estético.
3. Hadás (הֲדַס) – Murta
Ramo com folhas pequenas, agrupadas em conjuntos de três, perfumadas e delicadas.
Representa a pessoa com bom caráter e boas ações, mas sem beleza física ou aparência marcante.
Parte do corpo: Olhos
Os olhos percebem a beleza do mundo e refletem sensibilidade e percepção. Assim como a murta tem folhas delicadas e agrupadas, os olhos representam atenção e cuidado com o ambiente e os outros.
Símbolo: Simboliza bondade e pureza interna, mesmo que não seja notada externamente.
4. Aravá (עֲרָבָה) – Salgueiro
Ramo longo, folhas finas, sem perfume nem sabor especial.
Representa a pessoa que não tem beleza nem destaque externo, mas cumpre as mitzvot.
Parte do corpo: Lábios ou braços/hands (dependendo da tradição)
Representa ação humilde, sem destaque externo, mas necessária. Assim como o salgueiro, que não tem cheiro nem sabor, os braços ou mãos realizam trabalho silencioso e serviço.
Símbolo: Simboliza trabalho humilde e devoção sincera, valorizando o interno sobre o externo.
Arbaat Haminim
Minim Parte do Corpo Qualidade
Etrog Boca Sabedoria, beleza interna e externa
Lulav Coluna vertebral Força, retidão e ação correta
Hadás Olhos Sensibilidade, percepção e bondade
Aravá Braços / mãos Trabalho humilde, devoção e serviço
Resumo simbólico:
Etrog: Beleza e boas ações → Aparência + virtude.
Lulav: Boas ações, sem destaque → Força e retidão.
Hadás: Bondade interna, sem aparência → Pureza e caráter.
Aravá: Devoção simples → Humildade e sinceridade.
Sucot é, portanto, o lembrete de que a alegria está na unidade, na fé e na simplicidade.
Quando o corpo se recolhe sob o teto frágil da Sucá, a alma se expande sob o teto eterno dos céus.
חַג שָׂמֵחַ וּמוֹעֲדִים לְשִׂמְחָה
Chag Sameach u’Moadim LeSimchá!
(Feliz Festa e Tempos de Alegria!)
✒️✍🏻Nilson David Muszkat
"Ensinar é acender a luz da alma; Sucot é o abrigo onde essa luz se compartilha."