05/02/2025
Sobre a minha pátria: Brasil.
Tenho andado tremendamente intrigado com a palavra pátria.
Quanto ao uso, tem um poder nítido (e absurdo!).
Ouvir – Pátria! – instiga ímpetos de dar um soco, um tiro ou um berro de susto. Talvez ative o dispositivo que nos foi construído ao longo dos milênios em que precisamos permanentemente defender nosso grupo. É como em jogo do time para que torço, ou num ringue, em qualquer situação que me obrigue a defender um lado que pareça ou me convençam ser o meu.
Por isso, é só alguém de confiança atiçar um inimigo que a gente é capaz de se lançar ao seu encalço e destroçá-lo, antes de saber quem fosse. Ainda mais em bando.
Mas quando investigo seu significado, pensando um pouco, parece um conceito tão fortuito, fluido, maleável. Que ato configura uma defesa da pátria, além da guerra? Que coisas ou situações materializam sua ideia? É o idioma, a cultura do povo, nossas comidas, nossos objetos, jeito de falar característico, nossa arquitetura, nossa peculiar mistura? Ou é apenas a bandeira sacodida ao vento em fúria enquanto brada: Brasil!? Só essa sensação pura?
Como professor de literatura me pergunto: o que eu ensino é patriótico? Os grandes mestres da escrita em prosa como Machado, Gregório, Lobato, Gonzaga, Graciliano, Alencar, Oswald. Drummond era patriota? Independente das ideias que defendiam, da ideologia que pregavam, devo contar o que eles contaram, ensinar o que eles escreveram como digno de representar o meu país?
Ensinamos, no alto pedestal de um século quase, que a década de 1920 foi cenário de um embate entre duas correntes que reivindicavam o direito de se definir como Legítima Arte Brasileira (moderna, se possível). Como deve ser fascinante ler toda a produção dessa época.
De um lado, Oswald de Andrade, estudou em Paris (imagina!), viveu a Belle Époque (assistiu “Meia noite em Paris”?), veio cheio de globalismo na pauliceia fervilhando desenvolvimento urbano e industrial.
Defendeu a apropriação das descobertas estruturais e estéticas dos europeus para dar corpo à nova arte brasileira, usando o manancial da cultura popular, nosso mosaico tão diverso. Mário pirou na mesma linha, pesquisou apaixonado as nossas mais peculiares manifestações culturais e costurou tudo numa rapsódia absurda: Macunaíma.
Antropófagos!
Combatidos como entreguistas, estrangeiristas, francesistas, antipatrióticos.
Do outro lado da arena havia os verde-amarelos de Plínio Salgado, vinculado ao movimento integralista, defensores de uma literatura que espelhasse os princípios de sociedade que queriam ver instaurados no país. O nome do movimento refere às cores do símbolo máximo do patriotismo, a bandeira, assim como os valores defendidos estavam ligados à igreja e à restauração da família tradicional. Nosso folclore, nossos heróis, nossas riquezas exaltadas. Preciso ler Cobra Norato. Apaixonados e combativos, produziram menos, repercutiram menos, produziram pouco. É difícil rastrear o seu legado.
Eram os patriotas.
Verde-amarelos.
Ainda temos outros autores gigantes e polêmicos, como Monteiro Lobato ou o cubatense, infelizmente no ostracismo, Afonso Schmidt (o cara escreveu a primeira utopia de ficção científica brasileira – Zanzalás - e se passa em Cubatão!) Mais dezenas de grandes talentos que vêm consolidando um patrimônio cultural que podemos dizer com orgulho: é Brasil. É muito do que o mundo admira em nós, a mais que a natureza (que não é produto nosso, ao contrário, produzimos destroços), o futebol (que nem é mais aquelas coisas) e as bundas de nossas mulheres.
João Gilberto, Hilda Hist, Gilberto Mendes, Caetano Veloso, Mutantes, Hermeto Pascoal, Di Cavalcanti, Tarsila do Amaral, Chico Buarque, Érico Veríssimo, Glauber Rocha, Paulo Leminski, tantos gigantes contestadores, polêmicos, compõem o caldo mais consistente da nossa pátria, talvez.
Para os quais são apontados (sempre foram) os dedos verdamarelos.
Como será a pátria em que eles não caibam?
Adriano Dias
Ilustração de Augusto Zambonato (https://augustozambonato.com/)