09/11/2025
Coluna Gestão em Pauta: A política como entretenimento: quando a gestão vira reality show
Por Rodrigo Criguer*
Nos tempos do Império Romano, o “pão e circo” era a fórmula mágica para manter o povo distraído. Hoje, séculos depois, a tática não apenas sobreviveu, ela evoluiu e virou modelo oficial de gestão pública.
A diferença é que agora o coliseu tem ar-condicionado, banner institucional e cobertura nas redes sociais.
Na nova temporada da série “Administração Pública Brasileira”, a prioridade não é entregar resultado.
É entregar imagem.
E nisso, convenhamos, somos campeões.
O “pão” vem em forma de evento, certificado, selfie com o prefeito ou aquela entrega simbólica de algo que ainda não existe. Às vezes, inaugura-se a mesma obra três vezes, cada uma com nova fita e discurso diferente. Tudo pelo engajamento.
O “circo” é o show das boas intenções.
Tem discursos cheios de palavras bonitas: “inovação”, “gestão participativa”, “transparência”, “cuidando das pessoas” e palmas ensaiadas. Enquanto isso, o servidor tenta fazer o sistema funcionar, o orçamento não fecha, e o atendimento continua com o mesmo ventilador barulhento de 2008.
As reuniões são o auge do espetáculo: longas, teatrais e cheias de emoção. Cria-se um “comitê de acompanhamento”, um “grupo de trabalho” e, claro, mais um grupo de WhatsApp. Tudo devidamente fotografado e postado com a legenda: “Seguimos firmes trabalhando pelo povo!”
E aí entram em cena nossos atores coadjuvantes preferidos: os vereadores.
Esses, muitas vezes, são meros espectadores de luxo na arquibancada do poder.
Fazem caras sérias, acenam com convicção e disparam seus bordões clássicos:
“Estamos cobrando.”
“Estamos verificando.”
“Estamos em cima.”
“Estamos atentos.”
Mas, na prática, muitos só estão mesmo em cima do muro.
Transferem responsabilidades, discursam com moralismo ensaiado e preferem manter o papel de comentaristas políticos, narrando o caos com o tom de quem já fez sua parte.
É o famoso “fiscalizar de camarote”.
Enquanto isso, quem realmente carrega o espetáculo nas costas é o servidor público.
Esse sim é o verdadeiro equilibrista do caos, tentando manter o serviço de pé entre sistemas que travam, orçamentos que evaporam e ordens que mudam conforme o humor do dia.
É ele quem garante que, apesar da confusão, as coisas ainda funcionem mesmo que ninguém veja.
E o público? O público assiste cansado, entre risadas e indignação.
Porque, no fim das contas, a gestão pública virou um grande reality show: cada decisão é um episódio, cada discurso é um roteiro e cada selfie é uma tentativa desesperada de audiência.
Mas o problema é que, enquanto uns disputam o protagonismo, a população continua esperando resultado.
Quer ver rua asfaltada, escola funcionando, saúde resolvendo.
Não quer mais likes. Quer solução.
Governar não é entreter.
Fiscalizar não é aparecer.
E discurso bonito não paga o preço da ineficiência.
Mas o show continua com seus slogans, palanques, aplausos e bordões.
E o povo, de tanto assistir, já sabe até o roteiro de cor.
*Rodrigo Criguer é palestrante e consultor empresarial na Criguer - Consultoria Empresarial