
21/07/2025
Artigo de Opinião:
Reconstruir a imagem da Guiné-Bissau: entre visibilidade internacional e coerência interna
Entre estigmas do passado e promessas de futuro, a Guiné-Bissau assume o centro das atenções no palco internacional. Mas será que o prestígio recente, marcado pela presidência da CPLP e o reconhecimento dos Bijagós como patrimônio mundial, é suficiente para reconstruir a imagem de um país historicamente visto como periférico? Neste artigo, traçamos uma antevisão geopolítica e estratégica sobre o que a Guiné-Bissau pode e precisa fazer para transformar visibilidade em poder real.
A ascensão da Guiné-Bissau à presidência da CPLP e o reconhecimento do Arquipélago dos Bijagós como Patrimônio Cultural Mundial pela UNESCO são, sem dúvida, conquistas diplomáticas relevantes. Pela primeira vez em muito tempo, o país está no centro da cena internacional com sinais positivos de reposicionamento. No entanto, não basta estar no centro do palco. É preciso saber o que fazer com o microfone.
Durante anos, a Guiné-Bissau enfrentou o estigma de ser considerada por algumas personalidades internacionais como um “narco-Estado”, rótulo alimentado por episódios de instabilidade política e denúncias ligadas ao tráfico transnacional. Esse passado recente ainda pesa sobre a imagem do país. Por isso, os gestos simbólicos, como presidir uma comunidade lusófona ou receber o selo da UNESCO, só terão efeito prático se forem acompanhados de mudanças estruturais e coerência interna.
É importante reconhecer os esforços de algumas autoridades nacionais que, com diferentes níveis de compromisso, vêm tentando promover estabilidade institucional, visibilidade externa e novas frentes de cooperação. Estes passos devem ser valorizados como sinais de abertura e mudança. No entanto, não é possível transformar prestígio em progresso se não houver continuidade, profundidade e transparência nessas ações.
Do ponto de vista geoestratégico, a Guiné-Bissau está situada numa região sensível e cheia de oportunidades. O Golfo da Guiné é hoje uma das zonas mais vigiadas do mundo, quer por causa das rotas marítimas, quer pela presença de recursos naturais. O país pode, sim, tornar-se uma ponte estratégica entre a África Ocidental e a lusofonia, desde que construa um Estado funcional, seguro e com políticas públicas consistentes.
A nível interno, é imperativo reconstruir a confiança entre os cidadãos. A reconciliação nacional não deve ser tratada como retórica, mas como pilar central de um projeto político verdadeiramente inclusivo. A divisão étnica, a desconfiança entre regiões e a instrumentalização partidária da administração pública são obstáculos à construção de um país coeso e governável.
A soberania alimentar, tema escolhido pela Guiné-Bissau para o seu mandato na CPLP, deve deixar de ser um slogan e passar a ser um programa. Há décadas, o país importa a maioria dos produtos que consome, apesar de possuir solo fértil e juventude disponível. Investir na agricultura mecanizada, na segurança alimentar e na valorização do saber camponês não é apenas urgente, é vital.
Por outro lado, a ausência do Estado em muitos setores não pode continuar a ser normalizada. Liberdade sem responsabilidade transforma-se em desordem. E desordem não constrói democracia. O país precisa de um Estado que garanta serviços, proteja os vulneráveis e puna a corrupção. Um Estado que funcione para todos.
Não é a primeira vez que a Guiné-Bissau desperta esperança internacional. Mas talvez seja uma das últimas janelas com real potencial para consolidar uma nova narrativa. O prestígio atual precisa ser convertido em reformas sérias. O reconhecimento externo precisa andar lado a lado com um compromisso interno. Só assim será possível construir uma Guiné-Bissau respeitada lá fora e respeitável cá dentro.
Por: Golfario Paulo Apaiam