
02/10/2025
Jovens de Madagascar mantêm protestos e exigem renúncia do presidente.🇲🇬🚨
Antananarivo — Um movimento crescente de protesto na ilha africana de Madagascar, apesar de confrontos mortais com as forças de segurança, promete continuar até a saída do presidente Andry Rajoelina.
Milhares, em sua maioria jovens, têm se concentrado nas ruas de Antananarivo nas últimas semanas para cobrar a renúncia do presidente, responsabilizado pela incapacidade de garantir serviços básicos, sobretudo fornecimento confiável de eletricidade e água.
Os cortes de água e as quedas de energia têm se agravado a ponto de, segundo os manifestantes, atrapalharem o estudo e até a alimentação diária. “Ele não mudou nada”, disse Rovatanjoniaina Valisoa Tsimaniva, estudante universitária de 21 anos, que marchou pela capital na terça-feira. “Parece que tudo o que ele disse foram promessas de bêbado. Estamos fartos.”
O grupo Gen Z Madagascar, liderado por jovens e responsável pela coordenação de parte das mobilizações, convocou servidores públicos a aderirem às manifestações e entrarem em greve. A organização tem se inspirado em movimentos juvenis recentes no Nepal, Indonésia e Filipinas, e adotou um símbolo já visto em outros protestos: um crânio sorridente.
As manifestações na última semana foram marcadas por confrontos violentos entre manifestantes e as forças de segurança, que reagiram com gás lacrimogêneo, agressões e prisões, segundo a Organização das Nações Unidas. Pelo menos 22 pessoas foram mortas, informou a ONU — número contestado pelo governo de Madagascar.
A mobilização ganhou novo fôlego após o anúncio do presidente, nesta semana, de que demitira seus ministros — gesto interpretado como tentativa de apaziguar os protestos. Em vez de acalmar os manifestantes, a medida aprofundou a exigência de renúncia do chefe de Estado.
Madagascar atravessa pressão econômica crescente, agravada por novas tarifas comerciais internacionais e por problemas na produção agrícola devido a eventos climáticos extremos. Cerca de três quartos da população vivem na pobreza, cenário que tem deteriorado as condições de vida no país.
Tsimaniva relatou que muitas vezes se sente insegura ao voltar da universidade à noite porque a iluminação pública não funciona. Em casa, sem energia para cozinhar, vai para a cama com fome, contou. Outro manifestante, Rakotoarivao Andritiana Kevin, estudante de direito do terceiro ano, afirmou que, por falta de água, faz diariamente fila em uma to****ra pública por cerca de uma hora e meia para encher um galão. Ele disse ainda que aparelhos eletrônicos e computadores têm sido danificados por variações de energia. “Nossas vidas estão arruinadas. Tudo está desmoronando”, afirmou Kevin, de 20 anos.
As ondas de instabilidade política não são novidade em Madagascar — ex-colônia francesa, o país já viveu diversas repressões a dissidências com uso de forças militares e policiais. O atual ciclo de protestos começou há duas semanas, quando dois vereadores de Antananarivo foram detidos antes de uma manifestação planejada contra os cortes de água e energia; organizações da sociedade civil e jovens interpretaram as prisões como tentativa de silenciar o movimento.
Na terça-feira, depois de impasses, as forças de segurança abriram caminho para que manifestantes chegassem à Praça da Democracia, no centro de Antananarivo — vitória simbólica para ativistas que tentavam alcançar o local durante toda a semana. Pouco depois, porém, houve confronto; policiais lançaram gás lacrimogêneo e dispararam balas de borracha.
A Praça da Democracia tem peso simbólico: foi palco de comícios de apoiadores de Rajoelina durante o golpe que o levou ao poder. Muitos jovens veem ironia no fato de que, hoje, Rajoelina esteja reprimindo manifestantes naquele mesmo local.
Em 2009, o então prefeito de Antananarivo, Andry Rajoelina, liderou protestos em massa contra o presidente da época, citando má gestão e repressão; mais de 130 mortes foram registradas. Após assumir, declarou o “fim da ditadura, da má administração do Estado”, conforme reportou o jornal Le Monde. Atualmente, manifestantes o comparam a um ditador.
O presidente tem alertado para os riscos de um golpe de Estado, como o que ele realizou no passado. Sua porta-voz, Lova Ranoromaro, afirmou que uma tomada de poder colocaria em risco os mais vulneráveis e que parceiros internacionais que já ofereciam apoio financeiro para resolver os problemas de água e eletricidade poderiam retirar esse suporte se o chefe do Executivo fosse derrubado. “Chamadas por um golpe ou por mudanças inconstitucionais de poder não serão toleradas, pois só devolveriam o país à instabilidade”, disse Ranoromaro, acrescentando que o presidente busca diálogo com os manifestantes.
Direitos humanos e grupos civis afirmam que o que diferencia o momento atual é a extensão das paralisações dos serviços e o caráter nacional e juvenil das mobilizações. Segundo Faraniaina Ramarosaona, líder de uma organização de direitos em Madagascar, embora Rajoelina tenha dissolvido o governo, ele não atendeu às demandas dos jovens nem se desculpou pela repressão violenta.
Para alguns manifestantes, a luta não é por cargos políticos. Assim, pedidos recentes do presidente para que cidadãos enviassem currículos com vistas a integrá-los ao governo soaram como desconectados da realidade para muitos jovens. “Estamos lutando por nossos direitos”, disse Tsimaniva.
Bissau, 02 de outubro de 2025
Uma cortesia de Gaelle Borgia / DMG TV Digital Mídia Global TV