27/10/2025
NO MEU ESCRITÓRIO, NÃO!
O meu marido apareceu hoje no meu escritório sem avisar. Entrou sem bater, o rosto sério, o olhar tenso. O som dos passos dele no chão de madeira interrompeu a quietude das minhas tardes habituais - aquelas em que o relógio dita o ritmo das tarefas e o cheiro do café se mistura ao papel fresco da impressora.
- Preciso de falar contigo - disse, sem sorriso, sem beijo, sem sequer pousar a pasta.
Aproximei-me, confusa.
- Aconteceu alguma coisa?
- Só quero um momento a sós contigo - respondeu. - Pede à tua secretária para não deixar ninguém entrar até às 14h30.
Obedeci, intrigada. Fechei a porta. Pensei que quisesse conversar sobre nós - as últimas discussões, o distanciamento, o silêncio que nos vinha separando há semanas. O casamento andava tenso, sim, mas nada que justificasse aquele olhar sombrio.
Sentei-me à secretária. Ele ficou de pé, à minha frente, como se estivesse a medir as palavras.
- Ultimamente estás sempre ocupada, sempre distante - disse, pousando a pasta sobre a minha mesa. - Já nem me olhas como antes.
Suspirei.
- Estou cansada, só isso. O trabalho tem sido muito.
Ele deu uma volta pela sala. Tocou nos papéis, passou os dedos pelo encosto da cadeira, depois fixou-me outra vez.
- Cansada? - perguntou, com uma ironia disfarçada. - Ou farta de mim?
Tentei sorrir, mas o riso morreu antes de nascer. O olhar dele estava diferente - um olhar que já não era de amor, mas de posse.
- Estás a exagerar - disse-lhe, tentando encerrar o assunto.
Mas ele aproximou-se. O cheiro a madeira e fumo envolveu-me, e percebi que havia algo no ar mais denso do que o perfume.
- Quero-te. Agora! - murmurou.
O toque começou suave, mas sem carinho. As mãos dele exploravam o meu corpo sem pedir permissão. Dos meus ombros aos meus mamilos, senti-me dividida - uma parte de mim queria acreditar que era apenas desejo, outra já pressentia o perigo. O corpo reagia com desconforto, não com vontade.
- Aqui não - tentei dizer, num tom que soou mais a súplica do que a proibição.
Levantei-me da cadeira e ele colocou-me de frente para ele. Não respondeu. Colou-se ainda mais, empurrando-me levemente contra a secretária. A madeira fria nas minhas costas contrastava com o calor da respiração dele.
- Temos uma vida cheia de horários - murmurou. - Hoje não quero adiar o que importa.
As palavras soaram como uma sentença.
Ele beijava o meu pescoço. Com as mãos dentro da minha saia, puxou a minha calcinha com força, depois, tentou abrir os botões da minha camisa. Eu impedi e dizia para ele parar, presa entre o desejo e a postura de trabalho. Mas ele estava selvagem, ousado e nada importava.
Me colocou numa posição de indefesa, não paravam de lambusar-me o pescoço, abriu o cinto e deixou as calças caírem.
Naquele momento fui tomada pela razão e aquela situação começou a me incomodar. Comecei a afastar-me, mas o gesto foi em vão. A força dele cresceu à medida que o meu medo aumentava. E, quando senti que já não havia escolha, o instinto falou mais alto.
- Pára… está a me apertar - disse, a voz trémula. - Por favor, pára.
Ele não me ouviu. O som dos papéis a cair no chão ecoou pela sala - seco, violento, como o estalar de algo a partir por dentro. A respiração dele era pesada; a minha, quase um soluço. Foi então que o grito me escapou, nascido do desespero e da incredulidade.
- Amilton, não... eu não quero!
Mesmo assim, não parou.
- Socorro! - gritei...
O mundo parou. Ele ficou imóvel, a olhar-me com espanto, como se só naquele momento percebesse o que estava a fazer. O silêncio pesou.
A porta abriu-se. A secretária entrou, seguida de dois colegas. O olhar deles oscilava entre o espanto e a vergonha. Ele, atordoado, apanhou as calças, vestiu-se em silêncio, os gestos lentos, desfeitos. Tirou a aliança e deixou-a cair no chão, com violência e na frente de todos. O som do metal a bater no mosaico foi breve, mas definitivo.
Saiu sem dizer nada.
Fiquei ali, sentada, o corpo trémulo, o ar denso, o perfume dele ainda preso à minha roupa. O escritório parecia outro - mais pequeno, mais frio. A aliança continuava no chão, brilhando entre os papéis, cruel e muda.
Ninguém disse nada. Cada um voltou ao seu canto. O resto da tarde passou como um eco.
Em casa, preparei o jantar por hábito: arroz com guisado de carne de vaca, o prato preferido dele. O cheiro enchia a cozinha, mas já não despertava fome. O relógio marcava 21h00. Nenhum sinal dele. Nenhuma chamada. Nenhuma mensagem.
Agora, escrevo isto à meia-noite. O relógio da parede é o único som que existe. Penso em tudo o que aconteceu hoje e percebo que algo se partiu - não apenas entre nós, mas dentro de mim.
Não sei o que direi quando ele voltar. Talvez não volte.
Talvez direi nada. Talvez o silêncio fale por mim, como falou às 13h40, quando o amor se desfez dentro do meu próprio escritório.
Autor: MALERO JEQUE
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