07/12/2025
A Cobra de Babalaza
tofo_inhambane
Em Babalaza, uma zona marcada por cajueiros e coqueiros, casas de chapas, mercados movimentados, vivía um homem que ninguém ignorava. Chamavam-lhe de Nhate Boss, um comerciante que vendia de tudo, da mandioca ao cimento, da roupa usada aos telefones importados. Tinha carros com vidros fumados, um quintal grande, cães ferozes e empregados que lhe tratavam com reverência. Falava pouco. Ria menos ainda. Mas bastava ele aparecer para que o murmúrio começasse:
_ Esse homem... alguma coisa tem. Essa riqueza não é limpa. Em Inhambane, onde a sabedoria ancestral ainda sussurra no vento e as histórias viajam de boca em boca, há segredos que o povo não esquece. E naquela manhã, uma manhã quente de terça-feira, a natureza decidiu falar.Numa das escolas comunitárias, construída com ajuda de doações e sacrifício da própria população local, o impensável aconteceu. Enquanto as crianças recitavam tabuada e desenhavam no chão com paus, uma cobra surgiu debaixo de um buraco da sala de aulas. O silêncio se quebrou com gritos. Era uma cobra estranha. Não era das que se vê nas machongos (machambas) ou nos quintais.
Havia algo diferente nela.
Era como se a própria terra tivesse a vomitado.Chamaram os mais velhos, homens de sabedoria, conhecedores das lendas e sinais.
Um deles, depois de olhar com cuidado, disse apenas:
- Essa cobra… não veio por acaso. Isso tem mão de gente.
A agitação tomou conta da escola e da comunidade.
Alguns diziam que era "uma cobra que vem cobrar dívida espiritual".
Outros murmuravam que ela estava ali "para recolher dinheiro sujo".
E outros, mais ousados, garantiam:
- Essa cobra tem dono.
Foi então, no meio de tanta confusão, que uma menina de não mais que sete anos, com uniforme velho e sandálias furadas, levantou a voz sem medo:
- Eu não tenho medo de cobra.
Todos se viraram para ela.
- Não tens medo? Por quê?
Ela respondeu com simplicidade:
- Porque lá em casa, o meu papá tem uma cobra muito maior que essa.
O silêncio caiu pesado como chuva em telhado de zinco.
A criança foi levada para fora, e logo se espalhou o nome do pai:
Nhate Boss. O comerciante. O homem do vidro fumado. Na manhã seguinte, a população, guiada por um misto de medo e curiosidade, marchou até a residência dele, exigindo:
- Queremos ver a cobra!
Queremos ver com os nossos próprios olhos!
Mas Nhate Boss não estava.
Tinha viajado para Mambone, segundo os empregados.
Outros diziam que tinha fugido antes mesmo do sol nascer.
E como diz um velho ditado de Inhambane:
“O dono do segredo corre antes do segredo levantar poeira.”
Três dias depois, a notícia se espalhou:
Nhate Boss estava internado no maior hospital da província.
Dizem que sua voz desapareceu, os olhos perderam a luz, e o corpo tremia sem parar.
Na semana seguinte, o homem que dominava Babalaza foi dado como morto.
Até hoje, nas noites calmas de Inhambane, quando o vento sopra forte entre os coqueiros e o bater do tambor ecoa distante, os mais velhos sussurram nas fogueiras:
“A menina falou demais.”
“O espírito não perdoa deslealdade.”
“A cobra só foi buscar o que lhe pertencia.”
Porque em Inhambane, como em muitos lugares de solo pátrio, o invisível também vive.
E nem toda cobra rasteja pela mata.
Algumas rastejam por dentro das casas mais bonitas.