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Malhazine: Das Armas à Urbanidade — A Transformação de um Espaço Militar em Bairro de MaputoPor: [Elton Manhiça]Situado ...
23/07/2025

Malhazine: Das Armas à Urbanidade — A Transformação de um Espaço Militar em Bairro de Maputo

Por: [Elton Manhiça]

Situado na zona norte da cidade de Maputo, o bairro de Malhazine carrega em seu nome e território as marcas de um passado militar que se transformou, com o tempo, em tecido urbano vivo, dinâmico e resiliente. Este bairro, hoje densamente povoado, nasceu sobre os alicerces de um antigo quartel militar colonial, cuja função principal era servir como depósito de armas e munições do exército português.

O nome Malhazine tem origem no termo francês magasin, que significa “armazém”, e que, incorporado ao português no contexto militar, passou a designar locais de armazenamento de armas — os chamados malhazines. Em tempos coloniais, a zona hoje conhecida como Malhazine era um espaço restrito e estratégico, servindo como paiol militar e ponto de controle logístico para o regime colonial.
A designação do local como “Malhazine” surgiu da própria presença e função daquele espaço: um lugar onde se guardava o armamento. Com o tempo, o nome deixou de representar apenas o depósito e passou a nomear toda a área envolvente.

Com a independência de Moçambique em 1975, e particularmente nas décadas seguintes, o bairro começou a sofrer uma profunda transformação. A desmilitarização de espaços anteriormente controlados pelas Forças Armadas abriu caminho para uma reorganização social e urbana. Malhazine foi sendo ocupado por famílias deslocadas, migrantes urbanos e trabalhadores à procura de melhores condições de vida, tornando-se um dos bairros em expansão na capital moçambicana.
Esse crescimento, embora marcado por um certo carácter informal e espontâneo, reflete a dinâmica da urbanização de Maputo: bairros periféricos a ganhar densidade populacional, formas próprias de organização social e acesso progressivo a infraestruturas básicas.

Hoje, Malhazine é um bairro residencial periférico, ainda enfrentando desafios típicos das zonas de crescimento acelerado:
• Infraestruturas deficitárias, especialmente em saneamento, vias de acesso e iluminação pública;
• Habitação informal, com construções autoerguidas sem planejamento urbano rigoroso;
• Acesso limitado a serviços públicos, como escolas, centros de saúde e transporte formal.
Apesar disso, há sinais claros de desenvolvimento: iniciativas comunitárias de autogestão, maior presença do setor informal (comércio local, mercados improvisados) e a gradual implementação de programas de urbanização promovidos pelo município.

A transição de Malhazine — de espaço militar para bairro urbano — é um símbolo das transformações pós-coloniais de Moçambique. O que antes era lugar de controle e repressão, tornou-se espaço de habitação e resistência quotidiana, onde famílias constroem o futuro apesar das adversidades.
Malhazine é hoje um bairro com identidade própria, onde o passado militar se mescla com a vivência urbana atual. A sua história oferece uma leitura fascinante sobre como os espaços são ressignificados ao longo do tempo — da guerra à paz, do depósito ao lar.

TRIBO NDAU: ENTRE A TERRA, O ESPÍRITO E A MEMÓRIA ANCESTRALA espiritualidade do povo Ndau resiste ao tempo e ao colonial...
16/07/2025

TRIBO NDAU: ENTRE A TERRA, O ESPÍRITO E A MEMÓRIA ANCESTRAL

A espiritualidade do povo Ndau resiste ao tempo e ao colonialismo, permanecendo como força vital na construção da identidade moçambicana.

Por [Elton Manhiça]

Em pleno centro de Moçambique, entre as colinas de Manica e as planícies de Sofala, vive um povo cuja ligação com a terra e o mundo espiritual molda não apenas a sua cultura, mas também a sua forma de resistir e existir: os Ndau. O nome, que significa “terra” ou “nossa terra”, já revela a essência dessa etnia profundamente enraizada nos seus territórios e saberes ancestrais.
Os Ndau habitam regiões transfronteiriças entre Moçambique e o leste do Zimbábue. Apesar da imposição de fronteiras coloniais, mantiveram uma identidade linguística e espiritual comum. Falam o ChiNdau, língua bantu com fortes laços com o shona, mas com traços próprios que afirmam sua singularidade.
Historicamente, os Ndau descendem dos grandes reinos do sul de Moçambique, como Mutapa e Monomotapa, e foram profundamente impactados pelas invasões Nguni no século XIX, quando o império de Gaza se expandiu sob a liderança de Soshangane. Esse momento criou uma nova identidade mestiça, fundindo práticas Ndau com elementos Nguni, uma simbiose que ainda se observa na música, nos rituais e na estrutura social.
Se há algo que distingue os Ndau é a sua cosmovisão espiritual. Para eles, o mundo não se encerra no visível. Existe uma relação permanente entre vivos e mortos, entre o físico e o ancestral.
O culto aos Midzimu (espíritos dos antepassados) está no centro dessa espiritualidade. Esses espíritos são consultados para decisões importantes, protegendo a família e orientando o destino dos vivos. Através de rituais, danças, oferendas e cânticos, os Ndau mantêm o elo entre gerações.
Outro elemento crucial é a figura dos curandeiros e médiuns espirituais (n’angas), que têm papel de destaque na sociedade. Entrando em transe, esses homens e mulheres interpretam mensagens dos espíritos, curam enfermidades, aconselham e protegem a comunidade contra forças negativas. São eles os guardiões da memória espiritual do povo.
Muito além da fé, a espiritualidade Ndau foi e continua sendo uma forma de resistência cultural. Durante o colonialismo, suas práticas foram MARGINALIZADAS, PERSEGUIDAS e SUBSTITUÍDAS por DOGMAS CRISTÃOS. No entanto, longe de desaparecer, elas se adaptaram, se sincretizaram e sobreviveram.
Hoje, muitos Ndau frequentam igrejas evangélicas ou católicas, mas continuam a realizar rituais ancestrais em segredo ou em paralelo. Essa convivência entre o espiritual africano e o cristianismo colonial representa um equilíbrio complexo, mas profundamente moçambicano.
Cerimônias como o dzumbunu (invocação de espíritos), as sessões de possessão espiritual com danças frenéticas, e os ritos de iniciação continuam a ocorrer em muitas comunidades. Essas celebrações funcionam também como espaços de transmissão oral de saberes, educação comunitária e coesão social.
A espiritualidade Ndau, apesar das mudanças históricas, permanece viva. Jovens em áreas rurais continuam a ser iniciados, enquanto artistas e académicos moçambicanos resgatam essa herança nos palcos, na literatura e na investigação científica.
Ainda assim, a ameaça é real: a URBANIZAÇÃO, a MIGRAÇÃO, a GLOBALIZAÇÃO e o DESPREZO INSTITUCIONAL por saberes tradicionais colocam a cultura Ndau em risco. A luta atual é pela valorização, documentação e ensino das práticas culturais locais, dentro de uma política de identidade e diversidade.
Ser Ndau é ser terra, ser espírito e ser história. É carregar nos gestos e palavras a força de um povo que não se ajoelhou ao tempo nem ao poder. Num país tão plural quanto Moçambique, ouvir os tambores do centro é também um convite a ouvir os ecos da ancestralidade que ainda pulsa invisível, mas presente.

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