
11/07/2025
----- ENTRE VERSOS E SILÊNCIOS ------
Género: Romance/Drama
Escrito por: Osvaldo De Sozinho - O Escritor
Contacto: +258852159403
Episódio 6 & 7
Na sua mão, o papel amassado com o poema de Osvaldo ainda resistia às lágrimas. Aquele pedaço de papel já não parecia leve. Agora era como chumbo, um peso impossível de ignorar.
> “Se teus olhos me acharem primeiro…”
Mas os olhos dela o acharam, sim. E ele não estava só. Sentado ao lado de outra, sorrindo. Rindo. De mãos dadas. Como se as promessas feitas entre versos e silêncios fossem facilmente substituídas por novas melodias.
— Fui apenas mais um poema incompleto — sussurrou para si mesma, com os lábios.
Lembrou-se da infância. Dos dias em que via os pais discutirem sobre quem ela devia amar no futuro. Leonardo Xavier sempre esteve nos planos deles. Mas ela, ela só queria amor. E quando encontrou em Osvaldo as palavras que o mundo não lhe dizia, acreditou.
Agora, sentia-se enganada. Ou pior: sentia que talvez o amor nunca tivesse existido de verdade.
Enquanto isso, no outro lado da cidade, Osvaldo caminhava sozinho pelas ruas poeirentas de Muhala Expansão. O caderno azul estava guardado, mas a mente dele era um livro aberto e confuso.
Desde que achou a folha rasgada com a marca de lágrimas, algo dentro dele se partiu. Não havia como negar, Anna esteve no parque. E ele, distraído, não a viu. Ou pior ainda, ela o viu com Edna Mariana.
E agora, toda a esperança parecia se desmanchar entre os dedos.
Sentou-se no muro baixo da esquina onde cresceu. Ao lado, o velho campo de terra batida onde jogava bola na infância.
Hoje estava vazio, excepto por uma criança que desenhava no chão com um pedaço de carvão.
A criança olhou para ele e perguntou:
— Tio, estás triste?
— Um pouco, sim.
— É por causa de uma menina?
Osvaldo sorriu com amargura.
— É, Como sabes?
— Meu pai diz que os homens tristes sempre pensam numa mulher. Ou numa música.
Osvaldo riu leve, com os olhos virados.
— O teu pai é sábio.
O menino voltou ao desenho, e Osvaldo, à dor.
Na madrugada, trancado no quarto, acendeu a vela porque não havia energia. Sentou-se no chão, abriu o caderno e tentou escrever.
Mas não saía nada.
Nem um verso.
Nem uma linha.
A dor não se escrevia.
Era uma dor sem nome. Que se espalhava pelo corpo como febre. Queimava sem deixar feridas visíveis, mas consumia devagar.
Fechou os olhos e imaginou Anna. O jeito como ela lia seus versos em voz baixa. A forma como sorria com os olhos, não com a boca. E o modo como ela tocava o papel como se tocasse algo sagrado.
Agora tudo isso parecia tão distante.
Na manhã seguinte, encontrou no portão de sua casa um envelope colado com fita. Não tinha remetente. Apenas seu nome, escrito com letra elegante.
Dentro havia um bilhete curto:
> “Agora compreendo o porquê dos silêncios.
Não voltarei ao parque.
— A.P.”
Ele leu e releu. E cada vez que lia, doía mais.
Correu até a casa da senhora Filomena, a empregada da família de Anna. Bateu no portão com força. Quando ela veio, assustada, ele implorou:
— Preciso falar com ela. Não foi o que parece! Aquilo com Edna, foi apenas conversa. Uma amiga. Uma lembrança do passado. Eu a esperei. Eu juro!
A senhora Filomena o olhou, séria, com tristeza nos olhos.
— Às vezes, Osvaldo, mesmo quando a intenção é pura, o tempo é cruel. Ela chorou muito ontem. E você, você é apenas mais um que chegou tarde.
Osvaldo sentiu o chão sumir. Quis gritar. Quis correr. Quis apagar o dia de ontem da memória.
Mas era tarde demais.
No fim da tarde, a chuva caiu sobre Nampula. Não era tempestade. Era daquelas chuvas leves, longas, que molham devagar.
No parque, o banco debaixo da mangueira estava vazio outra vez.
E Osvaldo passou por ele, de olhos baixos, molhado até a alma, com o caderno colado ao peito como se quisesse proteger os restos de um amor que talvez nunca tenha começado direito.
O céu de Nampula naquela manhã parecia cúmplice da tristeza. Estava cinzento, abafado, como se o dia tivesse vergonha de começar. O bairro Carrupeia, onde Osvaldo agora caminhava, não era o seu de origem, mas ele andava sem rumo, como quem procura esquecer-se por entre ruas desconhecidas.
A cabeça dele latejava. A pasta às costas parecia pesar mais do que nunca, como se levasse ali dentro não só o caderno azul, mas também o peso de um amor mal compreendido e de palavras que ficaram por dizer.
Passou a noite em claro. Pensou em tudo, em cada olhar de Anna, em cada gesto mal interpretado, em cada silêncio que, agora, parecia um abismo.
A sensação de culpa colava-se à pele como o suor abafado da manhã nublada.
Do outro lado da cidade, um jovem desembarcava na pequena rodoviária interprovincial, vindo de Maputo. O nome dele era Constâncio M***a, primo direito de Osvaldo.
Constâncio era diferente dos rapazes de Nampula. Tinha um estilo mais urbano, calça jeans justa, ténis brancos, mochila moderna e auriculares pendurados ao pescoço....
Constâncio foi criado num ambiente mais estruturado, com acesso a boas escolas, livros e viagens.
Mas nunca perdeu o vínculo com a terra natal dos seus pais. E passava as férias grandes em Nampula, com gosto. Este ano, porém, algo lhe dizia que a viagem seria diferente.
E foi ao ver Osvaldo, sentado à beira da estrada, com a cabeça baixa, que teve a certeza.
— Ei, poeta! — chamou Constâncio, saindo do chapa.
Osvaldo levantou o rosto, atordoado.
— Constâncio?
— Sim, mano. Cheguei. Maputo mandou abraço e calor.
Os dois abraçaram-se com força. Não se viam há mais de dois anos. Mas o abraço foi como um reencontro de dois pedaços da mesma árvore — diferentes, mas com raízes em comum.
— Mas que cara é essa, primo? Nem parece que me esperavas. — Constâncio sentou-se ao lado dele, sem cerimónia.
Osvaldo respirou fundo. Queria sorrir, mas não tinha forças.
— Não esperava ninguém. Na verdade, não esperava mais nada.
Constâncio olhou para ele com atenção.
— Está tão sério assim?
— Tô cansado, Constâncio. Do amor, das palavras, de mim.
— Vamos pra casa. Me contas no caminho.
Na casa simples do bairro Natikiri, onde Osvaldo vivia com a mãe e o irmão pequeno, foram recebidos com alegria. Constâncio era sempre bem-vindo. Depois de cumprimentos, os dois ficaram sentados no quintal, debaixo da mangueira.
E ali, Osvaldo contou tudo. Desde o dia em que viu Anna no parque, até o momento em que a viu ir embora sem lhe dirigir uma palavra. Falou de Edna, do poema rasgado, do bilhete deixado no portão, das tentativas frustradas.
Constâncio ouvia em silêncio.
E quando Osvaldo terminou, ele respirou fundo.
— Sabes, primo, o amor não se perde por um erro. Perde-se quando deixamos de lutar por ele.
— Mas ela não quer me ver.
— Porque tá magoada. E porque te ama.
Osvaldo levantou os olhos.
— Achas mesmo?
— Tenho certeza. Só quem ama consegue ficar tão ferido assim. E tu? Vais desistir?
— Não sei o que fazer.
— Eu ajudo. Vamos reconquistar ela. Mas vai precisar de coragem, de tempo e de palavras sinceras.
Nos dias seguintes, Constâncio foi o pilar que Osvaldo não sabia que precisava.
Levava-o a lugares diferentes, obrigava-o a escrever, a ler, a sair da cama. Relembrava-lhe os poemas antigos, lia em voz alta, ria das histórias e dava conselhos com a leveza de quem não julgava, mas entendia.
— Tu tens talento, Osvaldo, a verdade não morre, nem se perde. Só se esconde às vezes, até que alguém a chame de volta.
— Precisas escrever pra ela. — disse Constâncio numa noite.
— Outro poema?
— Não. Uma carta. Com tudo. Sem rima. Só sentimento.
— Mas, e se ela não ler?
— Se ela te amou de verdade, vai ler. E se não ler, ao menos tu vais saber que não deixaste nada por dizer.
E naquela madrugada, à luz fraca da vela, Osvaldo escreveu a carta mais sincera da sua vida. Não era poema. Não era verso. Era verdade crua, escrita com o coração sangrando.
Dobrou a carta com cuidado e, no dia seguinte, foi com Constâncio deixá-la no portão da casa de Anna.
Não bateu. Não chamou. Apenas colou com fita, e esperou.
Agora, era o tempo que diria.
O dia seguinte amanheceu morno, com nuvens espalhadas pelo céu como se até o tempo estivesse indeciso. No portão da casa de Anna, a carta de Osvaldo permanecia colada, firme. Ninguém a tirou. Nenhuma resposta. Nenhum sinal.
Osvaldo passava pela rua todos os dias, de longe, observando o envelope como quem observa um túmulo, sabendo que algo importante está ali, mas temendo o que pode sair de dentro.
— Ela ainda não leu? — perguntou Constâncio, ao notar o olhar do primo.
— Ou leu, e preferiu calar.
— O silêncio às vezes é resposta. Mas também pode ser medo.
Osvaldo suspirou, afundando o rosto entre as mãos.
— Tô me sentindo vazio.
— Então preenche-te. De ti mesmo, da tua poesia, da tua verdade.
Mas naquele dia, Osvaldo não voltou pra casa com Constâncio. Em vez disso, vagou pelas ruas, andando sem destino, e foi parar onde não esperava, na casa de Edna Mariana.
Edna morava com a irmã mais velha no bairro Muhala Expansão, num pátio com flores e um portão velho. Ela estava no quintal, regando as plantas, quando o viu.
— Osvaldo?
— Posso entrar?
Ela hesitou por um momento, mas abriu o portão.
— Entre.
O ambiente estava calmo. Uma rádio tocava baixinho músicas de Messias de Flor.
— Pensei que não voltarias — disse Edna, servindo-lhe um copo de água.
— Nem eu sabia que voltaria.
Ela o olhou com cuidado, como quem tenta decifrar um mistério.
— Continuas com os olhos de quem escreve versos, mas com a alma de quem rasgou todos.
Ele não respondeu. Apenas ficou ali, imóvel, bebendo a água e encarando o chão.
— Edna!
— Sim?
— Posso só, ficar aqui?
Ela não disse nada. E por longos minutos não disseram nada.
Depois, Edna aproximou-se devagar. Sentou-se ao lado dele no sofá velho da sala. Os seus ombros tocaram-se levemente. Ele não se afastou. Nem ela.
— Às vezes — sussurrou Edna — a gente não precisa falar. Só precisa estar.
E Osvaldo a olhou. Não como olhava Anna. Mas com sede. Com vazio. Com desejo de apagar a dor, mesmo que por uma noite.
CONTINUA
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2025/07/11