15/07/2025
*Por: Elísio Macamo*
Governar o futuro com fantasmas
Ouvi com consternação excertos do discurso do Presidente da Frelimo na conferência da OJM em afirmou que a contestação do poder em Moçambique e as manifestações que aconteceram ontem em Luanda fazem parte de um projecto regional para tirar os partidos históricos e libertadores do poder. Não ‘e a primeira vez a dizer isso, se não estou em erro. Mencionou, inclusivamente, a derrota da UNIP de Kaunda na Zâmbia, e há décadas, como parte da mesma lógica, como se houvesse um fio invisível a ligar todas as formas de descontentamento popular no continente.
É-me difícil disfarçar o desapontamento. Desapontamento, primeiro, por ver um presidente nascido já depois da independência a pensar como se ainda estivéssemos em 1975. A geração de que ele faz parte deveria ter aprendido que o fim do colonialismo não foi o fim da história, mas sim uma espécie de recomeço. O que os moçambicanos e outros povos da região querem hoje não é defender a pátria de fantasmas externos, mas recuperar a dignidade da sua cidadania, assegurar o pão de cada dia e participar na construção de um futuro que seja seu e que reflicta os ideais da luta pela independência. O que se exige dos políticos não é que invoquem conspirações, mas que enfrentem com coragem as consequências da má governação que é inegável.
Segundo, há neste tipo de discurso um desrespeito profundo pelos cidadãos. Ao sugerir que manifestações populares como as que ontem sacudiram Luanda em protesto contra a subida dos preços dos transportes – ou mesmos as nossas pós-eleitorais – são parte de um plano externo, o presidente parece recusar ouvir o grito legítimo das pessoas. Assume que quem protesta está manipulado, que não tem autonomia nem discernimento. É uma maneira subtil, mas devastadora e conhecida, de tratar os cidadãos como menores de idade.
Terceiro, é desolador constatar que os membros “decentes” do partido no poder – incluindo os que queriam ser presidente, mas arrumaram os seus dossiers em obediência à coesão interna – oiçam em silêncio reverente. O silêncio de quem devia saber mais e pensar melhor não é neutro. Para mim, esse silêncio é consentimento. Se ninguém se levanta para dizer que esse raciocínio é equivocado, fico com a inquietante sensação de que o partido inteiro partilha desta visão paranoica da história, uma visão que não apenas recusa a crítica, mas que a criminaliza. Vão voltar a ficar dez anos à espera da próxima oportunidade de irem ao “fitness centre” para serem fintados de novo...
O problema é que este silêncio é um mau agoiro para o futuro. Se o partido que conduziu o país à independência já não consegue dialogar com a sua própria juventude sem a envenenar com desconfiança, se os seus dirigentes não conseguem ver no descontentamento popular um sinal de alerta para repensar a sua governação, então o seu legado está em risco. O que estas palavras mal pensadas e estratégias defensivas destroem não é só o capital simbólico do partido, mas também a confiança dos moçambicanos na possibilidade de serem ouvidos por quem os governa.
A democracia não é uma conspiração. É uma forma civilizada de conflicto. Governar implica escutar a crítica, aceitar a alternância como possibilidade legítima e não como tragédia. Os que se mostram cépticos em relação à legitimidade do actual poder não negam necessariamente os feitos da luta de libertação. Mas um poder que se justifica apenas com base na história do passado pode não merece governar o futuro. Acho que é tempo de a Frelimo perceber que o verdadeiro inimigo do partido não são os manifestantes em Luanda nem os jovens críticos em Maputo. O inimigo real é a surdez política, o medo da mudança e o desprezo pela inteligência do povo.
Na minha “humilde” opinião, o verdadeiro problema que devia ocupar o partido no poder não é a sobrevivência de estruturas históricas, mas a sua capacidade de se renovar diante de uma sociedade cada vez mais informada, exigente e impaciente. O desafio político não é evitar a mudança, mas orientá-la com coragem, e mesmo humildade e visão, como se fez, por exemplo, em Cabo Verde. Isso exige que os líderes abandonem a retórica da suspeita e abracem uma postura de responsabilidade democrática, o que implica reconhecer falhas, escutar críticas, reformar instituições e devolver dignidade à vida pública. Mais do que defender o passado, talvez o partido deve provar que ainda pode merecer o futuro.
Estou estupefacto.
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